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domingo, 7 de dezembro de 2008

Os gêmeos

“Grafite não tem máscara. Ou faz parte da rua, ou está na galeria, figurando no cenário da arte contemporânea”, diz o paulistano Gustavo Pandolfo, em Nova York, sentado no chão, com a roupa inteira manchada de tinta, uma furadeira na mão e muitas idéias na cabeça. Ao lado de seu gêmeo idêntico, Otávio, ele compõe a dupla artística Os Gêmeos. Simples assim. Inseparáveis desde que se conheceram no útero materno, há 34 anos, os meninos - caçulas de quatro filhos - iniciaram a carreira pintando a parede da sala dos pais, na calada da noite. Expandiram a arte pelos telhados das vizinhas, tomaram os muros de São Paulo, e hoje pintam desde castelos, como fizeram na Escócia, até museus, como a Tate Modern, de Londres. Tudo sempre a quatro mãos. E aqui estão eles, na Deitch Gallery, no SoHo, galeria famosa por abrir seu espaço para artistas do gênero. Gustavo e Otávio passaram um mês em Nova York, trabalhando 12 horas por dia na galeria preparando a exposição Too Far Too Close (Muito Longe, Muito Perto). Tudo isso graças ao curador Jeffrey Deitch, dono do bom olho que descobriu a dupla há anos, e lhes concedeu um espaço em Nova York, antes mesmo de qualquer galerista brasileiro reconhecer o talento dos dois – e lhes apresentou para a galeria Fortes Villaça, em São Paulo, onde eles acabaram expondo.
Duas paredes, uma pintada de rosa bebê, outra de verde claro, expõem quadros feitos durante o mês de preparação e outros trazidos de mostras internacionais. Ainda há esculturas, como uma cabeça gigante, feita em madeira, e caixas de som, pintadas com olho, nariz e boca. Já a parede central foi transformada pela dupla num mural de fundo amarelo ouro, que leva a marca registrada dos gêmeos: muito improviso, cenas do nordeste brasileiro, cores fortes e alegres, estampas criadas por eles, e traços que remetem a sonhos, fantasias, alegrias, e um mundo infantil. Uma das pinturas mostra um enorme peixe, que ilustra as pescarias dos gêmeos com o avô, ainda na infância. Duro imaginar que ao fim da exposição, o próximo artista pintará algo por cima. “O Brasil é um país colorido. E isto está embutido em nosso trabalho”, diz ele, lembrando que sua arte habita hoje espaços de renomados colecionadores brasileiros e internacionais. Certa vez, ao pintar um muro em Coney Island, no Brooklyn, um passante ofereceu 2 mil dólares pelo casaco que Gustavo vestia, todo respingado de tinta. “Recusei. É o meu casaco predileto”, conta o artista, sem um pingo de arrependimento.

A área de trabalho dos gêmeos é uma grande escolhinha de arte de gente grande; latex, acrílico, óleo, spray, lixas de madeira, furadeiras, martelos, colagem, luzes e som – tudo espalhado pelo chão, uma grande improvisação. “Este é um reflexo da cultura popular brasileira: se virar com o que se tem”, revela Gustavo. Antes de começar um trabalho, a dupla troca idéias – neste caso, por exemplo, eles passaram dois meses preparando a vinda para Nova York, e ainda trouxeram três assistentes técnicos brasileiros, especializados em mecânica e eletricidade. São eles que dão interatividade, como luz, movimento e som, à parte do trabalho. “Os estrangeiros são atraídos pela nossa arte da mesma forma que são atraídos pelo Brasil – pelo calor humano, pela beleza feminina, e pelo fato de ficar feliz com o pouco que se tem”, acrescenta. Em São Paulo, a dupla divide um ateliê e afirma que, apesar de serem irmãos, e passarem tantas horas juntos, não brigam. Nem um pouquinho. Desde pequenos já desenhavam no mesmo papel. “Não importa quem fez o quê. Nunca houve competição entre nós, isto é impensável. O importante é o resultado final”, diz ele, pregando no quadro um cavalo de madeira de cem anos, que ganhou de uma amiga.

Gustavo diz que a pintura foi sua a porta de saída de São Paulo. “Mesmo pintando um muro no meio do trânsito, começamos a viajar”. Os Gêmeos colocaram o pé na estrada pela primeira vez em 1994, ao pintar no Chile e na Argentina. Mas foi a partir de 1999 que eles decolaram. Já deram pinceladas no Japão, na Austrália, na China, em Cuba, e na Europa quase inteira. Este ano, trabalharam na Lituânia, cidade do avô da dupla, e ainda pintaram, por dentro e por fora, a casa do palhaço russo Slava Polunin, considerado “o melhor do mundo”. Na agenda de 2008 ainda consta um museu em Curitiba, e também a Holanda, onde pintarão infláveis com um grupo de teatro de rua. Em Nova York, estão pela segunda vez. “Aqui há diferença no público: há gente do mundo inteiro, de diversas culturas. Além disso, a cidade valoriza este tipo de arte há tempos – as ruas e o metrô são todos pintados”, observa. Gustavo lembra, no entanto, que nos Estados Unidos arte de rua é tida como crime. “No Brasil não é assim. Quem pinta muro não vai para a cadeia. Mas claro que pichações em monumentos são ilegais”. Por outro lado, ele ressalta que o Brasil ainda não valoriza esta arte como nos Estados Unidos. Keith Haring (1958-1990), é um exemplo de gente da escola da rua, que começou pintando nos muros da cidade - ao longo dos anos sua obra passou a valer milhões de dólares. Como ele, há vários.

Ao circular pelo mundo, a dupla prefere ruas a museus – para eles, há mais referências nas calçadas e metrôs do que em galerias. Contudo, não dispensam visitas ao Metropolitan Museum of Art de Nova York, que segundo Gustavo é um mundo de informação. A veia criativa dos meninos veio em parte da mãe, que antigamente desenhava, e hoje borda – inclusive, partcipa de projetos dos filhotes. Arnaldo e Adriana, irmãos mais velhos, participam da área criativa e administrativa, respectivamente. Otávio, por sua vez, é casado com Nina Pandolfo, também artista de rua. Já o pai, sempre deu força moral: ia junto às festas de hip hop (que inspiravam os meninos na arte de rua) e nunca deixou faltar caneta, lápis-de-cor e pincel. Para os gêmeos, este foi o rascunho mais importante de suas carreiras.
Tania Menai, de Nova York (artigo escrito em julho de 2008, durante a exposição na cidade)

Em Curitiba: Vertigem – Os Gêmeos
Museu Oscar Niemeyer
Rua Marechal Hermes, 999 - Centro Cívico
Telefone: 3350-4400
Visitação: de 04 outubro a 01 de fevereiro de 2009
Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h
Ingresso: R$4,00 inteira e R$ 2,00 estudantes
(gratuito para grupos agendados da rede pública do
ensino médio e fundamental, para estudantes até 12 anos,
maiores de 60 anos e no primeiro domingo de cada mês)
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/

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Para conhecer mais o trabalho da jornalista Tania Menai, visite o site http://www.taniamenai.com Tania também é autora do livro “Nova York do Oiapoque ao Chuí: relatos de brasileiros na cidade que nunca dorme”. Vale conferir! http://www.nychui.com

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