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domingo, 7 de dezembro de 2008

Era uma casa muito engraçada…

Eis uma pequena história que ilustra como geralmente construímos e geramos nossas vidas.

Era uma casa muito engraçada…

Preciso fazer uma reforma urgente em minha casa! Tudo está muito velho, e as coisas não funcionam como deviam. Ah, essa casa é um caos. Tudo dá errado! Coloco fogo na lareira e o ambiente fica gélido! Tento me livrar da sujeira, ela parece se multiplicar. Nada esvazia, tudo transborda!

Sendo muito desleixada com minha casa, fui deixando, arrematando aqui e lá como podia, sem mudar realmente a estrutura de fundo: a tinta descascada da parede foi coberta por um painel maravilhoso e colorido do Monet, a cozinha está coberta por uma camada de gordura e sujeira, mas eu não deixo que ninguém chegue perto... porém tenho certeza de que eles sentem um cheiro estranho e desconfiam...

O encanamento está furado em alguma parte, mas não sei onde. Há sinais de infiltração, mas, ao invés de olhar nesta direção, preferi colocar um armário bem grande naquele canto e esquecer. Realmente precisava de um armário e foi muito prático poder armazenar todos os pedaços de parede que iam caindo e que não tinha como jogar fora. Um grave problema assola a cidade: uma greve de lixeiros pior do que em Nápoles durante o verão de 2008. Culpa deles que minha casa está neste estado! Nada pode sair de minha casa, tudo foi acumulando! Há quartos que estão em realmente péssimas condições! Simplesmente fechei a porta com chave dupla, coloquei placas no caminho impedindo o acesso, inclusive à mim mesma: é mais seguro. Assim não me atropelo nos objetos jogados no chão, que criei e fui deixando pelo caminho. Ai que preguiça de triar o que é ainda válido do que já não tem uso!


O grande problema nesta casa é que falta energia. Não há força para ligar o aspirador profissional, super-jato, acoplado com produtos de limpeza especiais e que é minha única opção.
Durante muito tempo tentei viver com um pequeno painel solar, portátil, e que é capaz de carregar duas pilhas pequenas por dia. Com esta força, eu posso fazer funcionar a televisão! Hehehe! Faustão! Realmente não preciso nada mais para sobreviver meus domingos! Durante o resto da semana me engurgito de “Cidade Alerta” onde observo, deleitando-me, a bagunça dos outros!

Desde que me conheço por gente venho construindo minha casa. Juro que por muitos anos pensei que tinha herdado tudo pronto de meus pais. Tudo quanto eram problemas eu dizia que eles tinham que vir consertar, mas eles não podiam mudar nada, pois não podiam passar da porta. Foi amnésia temporária. Os fundamentos da casa realmente construí com a ajuda de meus pais utilizando seus projetos arquituterais já prontos. Era mais prático. Tipo casa pré-fabricada. Mas estou começando a perceber que eles não estão adaptados às normas em vigor. Hoje os fundamentos estão abalados e nunca receberam reforços ou modificação da sua estrutura desde minha infância.

Minha infância... agora lembro como trabalhei para tentar entender estes projetos e poder construir minha casa. Não foi nada fácil, pois não tinha capacidade intelectual para compreender e aplica-los. Fiz como podia. Ficou pronto. Foi realmente um quebra-cabeça entender tudo o que estava na minha frente. Às vezes dava um vazamento enorme no encanamento que tentei consertar com os meios de bordo: achei um band-aid velho, amarrei mais um trapo de camiseta e coloquei um balde gigante para recuperar a água que ainda pingava. Acho que a falta de água em casa pode ter vindo deste vazamento contínuo...

Mas, apesar de minha casa estar neste estado, consegui salvar as aparências: pinto regularmente as paredes para esconder o mofo, coloquei móveis que custaram uma fortuna e que são da última moda! Sempre mudo a decoração assim não se nota o envelhecimento da casa. E o jardim e a fachada são admirados por todos: sempre aparado, pintado, lindo! A energia que gasto para manter as aparências é quase além de minhas forças! Se acontece um imprevisto, é como se minha conta bancária explodisse: não me resta recursos para nada!

Apesar das aparências, assim que as pessoas começam a penetrar na casa eles se sentem pouco à vontade. O cheiro do lixo acumulado é bem difícil de disfarçar. Fico meio sem jeito, por isso evito ao máximo que as pessoas ultrapassem meu jardim...

Alguém tem que fazer algo! Uma faxineira profissional? Um eletricista? Um encanador? Um arquiteto?

O problema é lá no fundo, mas fechei a entrada para as fundações e engoli a chave. Podem fazer tudo, mas na base do problema ninguém chega: os outros não podem e eu, bem... eu não quero. Continuando assim minha casa vai ser condenada à demolição... vai ser o fim... mas a chave eu não devolvo. Ponto! Mesmo morta não agüentaria ver a bagunça lá embaixo.

Mas minha casa é feita com muito esmero, na rua dos tolos número zero.
Meire Chesney (Zurique, Suíça)

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