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domingo, 7 de dezembro de 2008

Mudar é bom

Ninguém parece levar muito a sério a lista de resoluções de começo de ano. A gente faz por fazer, porque é uma tradição e porque é gostoso sonhar que no ano que vem vamos viver uma grande paixão, fazer aquela viagem a Istambul, colocar nossa vida financeira em ordem, arrumar tempo para participar de ações voluntárias, perder aqueles quilinhos a mais... No fundo, todas as nossas listas são bem parecidas: queremos sorte no amor, felicidade em família, um bom trabalho e, como resume bem a canção, “muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender”. Mas o que fazemos para que isso aconteça de verdade e para que o ano novo signifique realmente vida nova? Se formos bem sinceros, nada. Por que será, então, que temos tanta resistência em fazer mudanças? O que, afinal, nos segura em direção a uma vida melhor? Das respostas a essas perguntas é que poderá surgir, sim, um ano mais dourado e feliz. Pode apostar que funciona mais do que a lista.

Vença a preguiça
Como dizia o inventor Thomas Edison, jogamos fora as boas oportunidades porque elas geralmente vêm vestidas com macacão de operário. Fazer mudanças dá mesmo trabalho. Precisamos olhar bem de frente para nossas dificuldades, assumi-las de vez, planejar nossas ações para ultrapassá-las, tomar atitudes, se autocomprometer, sacudir a poeira e agir com determinação. Mas, às vezes, dá uma preguiça... Pois bem, você não é a única pessoa do mundo a sentir a força da inércia. Todos nós temos uma resistência enorme em sair da zona de conforto. Está tudo lá tão arrumadinho, tão certinho...
Mesmo que essa arrumação já esteja nos sufocando, que a gente reconheça que está perdendo vida e oportunidades em limites auto-impostos, ainda assim, resistimos bravamente em mudar. Ficamos ali, enrolando, adiando, fazendo de conta que a situação não existe, nos distraindo com “coisas mais importantes”, como a ida ao mercado central para comprar azeitonas selecionadas, assistir ao ensaio da banda de um amigo (“mas a banda é ótima!”), o jogo de peteca aos domingos. Nada contra. Mas será que não dava para fazer isso sem esquecer o principal? E o principal, que é planejar mudanças para tornar sua vida melhor, pode ser feito com muito prazer. A fotógrafa catarinense Ana Domingues, por exemplo, aproveitou as férias para, entre uma caipirinha e outra, pensar no assunto. O que ela precisava mudar em sua vida e em si mesma para sua profissão decolar de vez? Ia para a praia cedinho, fazia tai chi chuan na beira do mar, voltava para a cadeira, tirava uma soneca, acordava, entrava na água fria e voltava animadíssima para pegar lápis e papel, refletir muito e escrever seu plano de trabalho, mês por mês. “Foi a partir desse projeto que decidi ir para a Espanha, ficar com uma amiga, fazer um curso de especialização e começar a trabalhar de lá para o Brasil”, diz, contentíssima com suas decisões. Mas o que ela teve de trabalhar mesmo foi seu apego à família. “Tinha um ninho muito confortável na casa dos meus pais. Estava com 30 anos e jogando minha vida fora por causa do meu amor ao conforto e meu pavor do desconhecido”, diz.

Ah, o apego... Diz o budismo que ele é a principal causa do nosso sofrimento. E é. O apego é uma cola que nos une às situações, às coisas, às pessoas. E, quanto mais cola, mais o esparadrapo dói para sair (e por isso às vezes é melhor arrancá-lo de uma vez do que ir aos pouquinhos). Mas o outro motivo que nos faz sofrer é a aversão. Se temos o apego a alguma coisa, é porque temos aversão a outra. Não só não mudamos porque estamos “colados” a uma situação como também porque temos resistência ao que é desconhecido. Em palavras mais cruas, temos medo. Geralmente, essa ameaça significa perder o controle da situação. Se eu mudar, e aí? O que pode acontecer? Pode ficar pior do que agora? E se não der para voltar atrás? Ai, que medo... Já imaginou se a gente pensasse assim ao nascer? Não nascia nunca, não há nada mais confortável e aprazível do que o útero. Mas a vida, sendo ela mesma a expressão de uma dança contínua, nos impele em direção à mudança. E, não tenha ilusões, não há escolha real: quem não muda geralmente é mudado, às vezes de uma forma muito mais dura do que uma mudança gradual, consentida e planejada. É como se a vida dissesse: sai do meu caminho que você está me atrapalhando. E ela vem que vem. Onde tem vida tem movimento. “Tudo o que está parado, estático, rígido, seco, está morto. Essas são as características básicas que assinalam a presença da morte. Às vezes vemos cidades mortas, pessoas mortas, mesmo vivas. São as que não mudam”, diz a monja budista Pema Chödron. Portanto, estar com os ouvidos afinados para as trocas de ritmo da existência é fundamental quando pensamos em mudanças.

Arregaçando as mangas
O entusiasmo, o desejo de trabalhar de todo o coração por uma meta, é vital para alimentar o início da sua jornada. O primeiro passo tem de ser forte, vibrante, cheio de energia. O mestre espiritual armênio Georges Gurdjieff, que viveu no século passado e que compreendia profundamente a psique humana, dizia que tudo na vida pode ser dividido em sete etapas. Se fosse uma escala musical, por exemplo, ele a dividiria em sete notas. E diria que dar um dó inicial forte é fundamental para o cumprimento de qualquer tarefa. Empreitadas que se iniciam com um impulso fraco não duram, pois não têm força suficiente em si mesmas para serem levadas adiante.

É o que acontece, por exemplo, com a maioria das resoluções que fazemos no início do ano. “Elas apenas expressam um desejo, um anseio. É como querer um presente caído do céu, algo que não depende de nosso esforço. Não existe uma meta e nem a disposição convicta para cumpri-la”, diz Mizuji Kajii, membro do International Coaching Community e especialista em programação neurolinguística e técnicas de liberação emocional. Em resumo: anseios geralmente não têm muita energia e não se pode confiar na sua eficácia.

A maioria dos desejos também é generalizante e não tem foco específico. Por exemplo, os famosos “eu gostaria de encontrar um bom emprego” e “eu gostaria de emagrecer”. “Experimente trocar o tempo e o verbo do ‘eu gostaria’ por ‘eu quero’. É fácil observar que o ‘eu quero’ já traz implícita uma ação. Se eu realmente quero, vou fazer algo por isso”, diz Mizuji. Quer ver um consultor de coaching feliz é dizer com todas as letras: “Eu quero emagrecer 4 quilos até março, 2 quilos por mês, já me matriculei na academia e comecei o regime”. Objetivos, prazos, modos de agir, compromisso, tudo isso estimula a ação e o cumprimento da meta. Por isso planeje, deixe claras suas expectativas, vá mudando aos poucos, a cada dia.

Talvez a mudança tenha de ser drástica mesmo. Não adianta mudar para permanecer na mesma situação. Aliás, tem gente que muda apenas para continuar igual. É o caso, por exemplo, de quem troca de casa, de carro, de cidade só para não trocar as bases da relação com o marido ou a mulher. Recusa-se a ver que o relacionamento pode ser o verdadeiro problema. Mais uma vez, é não compreender o objetivo de uma mudança: ser mais feliz.

Mas como reunir essa força toda para mudar, essa vontade de arregaçar as mangas e sair para a luta com o fervor de um recém-convertido, quando já se está perfeitamente consciente de que muitas vezes nossa decisão implicará em renúncia, esforço e sacrifício?

Dilema atroz
Uma das histórias que se costumam contar nesses cursos que auxiliam as pessoas a fazer mudanças é a de um matemático e professor genial. Ele era admirado por seus colegas e tinha posição garantida na universidade onde lecionava. E adorava tocar saxofone. Cada vez menos sua vida como professor o satisfazia e cada vez mais ele queria se dedicar inteiramente ao seu instrumento. E foi o que ele fez. Abandonou tudo e foi tocar saxofone na noite de uma grande cidade. Só que tinha um problema: ele era um saxofonista sofrível. Medíocre mesmo. Não conseguia ir além de tocar em botecos. Dormia em albergues, quando não na sarjeta. O que fazer então: ser um professor bem-sucedido infeliz ou um músico medíocre feliz?

O consultor Mizuji não se aperta com esse tipo de dilema. “Às vezes, as mudanças não precisam ser tão radicais, elas podem ser negociadas”, diz. Uma alternativa que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra pode ser a saída. O cineasta Woody Allen, um bom exemplo, dirige filmes e toca clarineta às terças-feiras na casa noturna Elaine’s.

Outra alternativa é a possibilidade de escolher algo completamente diferente dos caminhos que se contradizem, uma terceira opção. No caso, procurar mais alternativas que possam trazer mais alegria na sua vida. Ou, ainda, admitir que a felicidade tem um preço e que você está disposto a pagá-lo, acima de tudo.

Mais um dilema que pode acontecer no meio do caminho é o interno. Temos muitas vozes dentro de nós: uma parte provavelmente vai querer cumprir a meta, enquanto outras preferem dormir mais um pouquinho, comer um brigadeiro de sobremesa, adiar o pagamento de uma conta para se presentear com alguma bobagem considerada essencial. “Já é um grande avanço sabermos que existe essa luta. Pelo menos, temos conhecimento do que pode nos vencer”, diz Mizuji. Com mais consciência, fica um pouco mais fácil resistir aos impulsos que surgem a todo momento. Outro caminho é a meditação e o trabalho espiritual interior. A unificação do ser depende disso. Meditar para mudar? Sim. A meditação é o que de melhor pode haver para acalmar as vozes internas, clarear o espírito, aumentar a nitidez de foco da sua meta. No mais, existem livros, consultores e cursos para ajudá-lo com mais detalhes. Mas aqui você talvez tenha encontrado material suficiente para dar o pontapé inicial. Agora, coragem, fé em Deus e pé na tábua.

Artigo da Revista Vida Simples (Por Liane Alves - Edição Janeiro 2007)

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