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domingo, 16 de março de 2008

A sociedade quer ser a favela


Domigo pela manhã é tempo de música brasileira aqui em casa, o que normalmente não escuto, mas domingo de manhã tenho sempre vontade de ouvir algo da minha terra e de preferência um sambinha de raiz. E esta manhã, ouvindo o saudoso Cartola me dei conta do quanto o mundo fervoroso e criativo das favelas se impõe como retrato da nossa arte com força absoluta e unânime aceitação. Abri a revista Piauí (obrigada Alice) e me deparei com uma propaganda do filme “Antonia”, por curiosidade fui no youtube e encontrei mais uma produção que me pareceu super interessante, novamente tendo a favela como cenário.

No texto abaixo sobre o filme “Volver” de Almodóvar, Magda fala sobre a sociedade independente que tem a possibilidade de resolver todos os problemas sem sair de “casa”. Na favela é assim! Uma sociedade paralela que tem amparo e apoio no que é necessário. Os vizinhos conversam e não falam somente bom dia, ou como nós que muitas vezes torcemos para entrar sozinhos no elevador, sem ter qualquer ânsia de comunicação com o próximo. As cadeirinhas velhas ao lado da porta, onde as tias sentam para ver a vida passar, as figuras costumeiras nas janelas, o conhecimento da vida alheia e a novela que celebra em grande estilo estas comunidades.
O número de favelas no Brasil ultrapassa 19 mil, isto reúne mais de 1,6 milhão de domicílios, onde a população tem cada vez mais que criar seu próprio sistema de sobrevivência, e como a união acontece com muito mais frequência quando passamos por dificuldades, na favela isto é mais do que comum. E a união faz as forças, e dentro destas, a força cultural!
É claro que nem tudo são flores e boemia, tem o lado do tráfico, das dificuldades, a falta de escolaridade, da fome, da criminalidade e da falta de formação de valores, característica esta que é também facilmente encontrada fora das favelas, do norte ao sul do nosso país. Mas este é tema para um próximo papo, agora quero falar somente deste caldeirão criativo.


Na década de 20 já existia a preocupação com "o que era o Brasil", e a política facilitava este debate pois o tema estava na moda, com o modernismo e a semana de arte moderna de 1922, na qual artistas não queriam mais ter somente a referência européia nas artes, queriam sim, representar o Brasil! E isto tomaria muita força com a revolução de 30 com Getúlio Vargas e a definição deste Brasil que a gente conhece hoje. No momento em que a elite procurava o Brasil, ela foi até às escolas de samba, e foi recepcionada com a seguinte frase: -Vocês estão procurando brasileiros? Nós somos brasileiros e temos a capacidade para representar o Brasil!
O cantor Marcelo D2 falou numa entrevista que a zona sul do Rio foi uma das responsáveis pelo sucesso em massa de sua carreira. É verdade. A sociedade canta suas músicas sem sequer prestar atenção nas letras, carregadas de críticas constantes a esta que paga suas contas.
E a classe “mediana” dança o funk carioca nos apartamentos de cobertura, festeja os filmes que tem a favela como cenário, celebra os estilistas que criam alta-costura com o reciclado, contrata belíssimas , “confiáveis” e limpinhas empregadas moradoras das favelas, pagam caríssimo num camarote para prestigiar as escolas de samba (muitas delas financiadas pelo tráfico) e consomem as músicas vindas de lá. Mais um exemplo disso, além da invenção do samba e da ascenção do pagode, é o cantor Seu Jorge, ex-companheiro dos menores assassinados na chacina da Candelária, chacina esta que foi brindada por muitos da sociedade carioca, a mesma que consome a cultura vinda da favela.
Isto tudo sem falar em arquitetos do mundo inteiro que estudam esta bela expressão estética de urbanização. E tem também o “padrão de beleza da brasileira” tão procurado pelos gringos e alimentados pelo mercado interno. Bundas e seios fartos, quadril largo, longas pernas, a cor morena do “bronzeado natural”, e assim a sociedade branquinha enriquece os centros estéticos em busca deste padrão. Esta beleza que é facilmente encontrada em qualquer esquina das comunidades carentes. Nos dias de hoje a maioria das mulheres queriam ter sangue africano correndo em suas veias e a beleza da mistura estampada no seu corpo mesmo que o preconceito ainda seja forte em nosso país.

Antes a burguesia já sabia que era na senzala que tudo era mais mais divertido, haviam danças, músicas, risadas largas, comportamentos livres, festas, criatividade, paixão e sensualidade. Tudo isso continua existindo e cada vez mais forte, mas agora a senzala não existe mais, mas a pulsão criativa das comunidades carentes é o pano de fundo mais desejado e explorado pelos produtores da elite cultural.
Portanto sentir-se brasileiro com estas referências, não é uma questão tão atual, pois a sociedade sempre quis ser favela sem sair de dentro dos apartamentos da Barra. Em grande estilo!

Thais Aguiar - Zurique, Suíça


4 comentários:

conversações disse...

É real este ponto de vista, mas a classe "mediana" como vc diz produz também muitas coisas boas que formam a cara do brasil, é jogo de reflexos, as comunidades carentes também usam as produções de elite que tem acesso para produzir sua proópria cultura em cima! então acaba que a cultura brasileira não está só na favela, esta no Brasil inteiro!

Super a revista de vocês!! Parabéns e longa vida!

Silmara disse...

Parabéns, Thaís, gostei muito do seu artigo! Parabéns também à equipe da Íntegra, o trabalho de vocês é muito bom!
Algo em seu texto deixou-me pensativa: isso de entrar no elevador e torcer para que ninguém entre junto. Aqui na Suíça, eu também já desejei passar desapercebida, não encontrar ninguém conhecido, somente chegar em casa e descansar. O que é isso?
Muito axé!

Thais Aguiar disse...

é verdade silmara, eu já senti isso várias vezes ainda quando morava em Curitiba, de descer pela escada 14 andares para nao ter que suportar um estranho tão próximo... será que o clima faz isso? curitiba é como aqui, frio e dias chuvosos e cinzas muito frequentes... mas a gente vai levando, o fato é que quando volto viro a mais simpática dos seres, converso cm todos, até o tiozinho da panificadora vira meu amigo, mas essa postura amigavel dura pouco! a história é profunda!¨

beijos

Anônimo disse...

Pôxa Thais, que beleza !! Você me deu alegria hoje com
esse e-mail...finalmente uma revista como eu tinha
sonhado um dia...com certeza vou participar tb..

Tania Sturzenegger