Confesso que nunca me voltei para estudar mais profundamente o arquétipo feminino. Bastava-me a ideia junguiana pincelada na faculdade: “mulher como continente, homem como conteúdo”. Sendo paulistana, venho de uma época e local em que a mulher já estava na universidade, já trabalhava, já tinha seu lugar, vez e voz, mesmo que pequeno, na sociedade; a luta se fazia necessária para ampliar este espaço e pela igualdade salarial. Então, fui mais pragmática na questão do feminino: arregaçar as mangas e trabalhar, estudar, criar os filhos, organizar e arrumar o lar e dedicar-me a centros sócio-culturais – e dividindo tudo com o companheiro! Meu questionamento na verdade sempre foi mais político-social e cultural.
Ao chegar à Suíça, há vinte anos, uma das constatações era de que aqui a mulher ainda não tinha, ou não se importava em ter este status. Poucas trabalhavam e, além disso, lembremos dos direitos políticos relativamente novos - vide o tardio e básico direito ao voto!
Passado o choque inicial, foi pôr a mão na massa e criar/cavar meus espaços no mundo do trabalho. Os questionamentos da minha realidade continuaram sendo sempre de ordem prática.Até minha recente viagem à Turquia, país que o Bósforo divide entre ocidente e oriente, cuja localização estrategicamente privilegiada fez com que suas terras fossem sempre cobiçadas por diversos povos (destaque às lutas com os gregos).
Foi lá onde fui me reencontrar com a questão do feminino e do imaginário popular da mulher-divindade, da mulher como elo de ligação, a grande mãe, fértil, receptiva, conciliadora.
A competente guia era também estudiosa dessa área. Sua linha de raciocínio, simplista até, como tinha mesmo de ser numa viagem turística, me deixou curiosa por saber mais.
Talvez por estar num país muçulmano, ocidental mesmo que parcialmente, o tema da mulher divindade é no mínimo surpreendente.
Talvez por estar tudo tão concreto, já que passava pelos lugares históricos onde surgiram muitos dos mitos. Ou talvez porque tenha chegado o momento de refletir sobre minha história e lugar no universo (“o mito é uma verdade profunda de nossa mente”/ Jung) e voltar-me para as questões mais esotéricas era inevitável. O fato é que passei a buscar mais informações sobre o tema.
Não vou aqui me aprofundar, afinal estou apenas despertando neste horizonte. Despretensiosamente, apenas penso que, nesse dia da mulher, quem sabe outras pessoas acabem despertando também para o tema deste mito universal, com algumas das minhas recentes descobertas (assumo minha ignorância!).
Yuknur começou falando de Cibele (ou Réia e Gaia na Grécia), deusa-mãe dos frígios, mãe-Terra, mito universal da divindade feminina, que no imaginário popular representava a fertilidade e os ciclos da Natureza. Cultuada desde a pré-História (evidencia nas estatuetas de culto encontradas), a mulher como divindade ligada à força da Terra é Diana na Grécia, nos cantos homéricos tem-se o Hino a Gea e, também, Hera e Artemisa, deusas olímpicas são assim cultuadas.
Com o passar do tempo, a adoração à deusa se torna ameaçadora à consolidação do poder dos homens.
A força espiritual, cumprindo um papel materno e vista como uma força protetora e intercessora passa a Maria, que não é, porém, adorada como deusa, mas imensamente respeitada, inclusive pelos muçulmanos. Para minha surpresa (volto a assumir minha ignorância!), Maria é citada em ao menos sete versículos do Alcorão. Na Turquia visitamos uma casa, supostamente considerada a última morada de Maria, por traços encontrados da passagem de João Evangelista e dos primeiros
Interessante: quando as igrejas cristãs de Constantinopla foram tomadas pelos muçulmanos, as figuras e imagens nas paredes foram “limpas”, muitas vezes cobertas com gesso – menos aquelas em que aparecia Maria.
Os turcos respeitam imensamente a figura da Virgem Maria, mãe do (para eles) “profeta” Jesus, mãe espiritual de todos os profetas.
Na Turquia moderna, ainda segundo nossa guia, a mulher tem seus direitos garantidos, trabalha, estuda, participa da vida política, dizem, sem fronteiras. A filha do grande reformador do país, Atatürk, trabalhava como pilota de avião, profissão antes considerada tipicamente masculina.
Ao voltar da viagem, deparei-me com o mito da Madona Negra, em visita à catedral de Einsiedeln. Passei a prestar mais atenção a essa figura. Há diversas igrejas na Europa com a representação de Maria como Virgem Negra, assim como no Brasil a Senhora de Aparecida. Madonas essas que, na tradição da deusa, são consideradas arquétipos ancestrais da face escura da Grande Mãe, os atributos de poder, fertilidade, mistério e sabedoria da Mãe Terra.
“A escuridão precede a luz e é a sua mãe.” (Inscrição no altar da catedral de Salermo)
Paro por aqui, pois ainda tenho muito a aprender.
E, com esse arquétipo da mulher-mãe-deusa-natureza-criadora-conciliadora, fica uma homenagem a todas as mulheres do planeta.
PS.: Às mulheres que fizeram a Íntegra nestes cinco anos: até qualquer dia, meninas, em – espero - mais um trabalho conjunto. Amo todas vocês!
Miriam Müller Vizentini - Baden, Suíça
Fotos: Nei Shimada: Fotos que eu gosto de bater
e deusas da mitologia - Portal São Francisco
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