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sexta-feira, 9 de março de 2012

Home sweet home


Hoje, ao rever o curta O Brasil em minhas mãos de Thaís Aguiar, eu me lembrei dos versos de um poema do século XIX, que qualquer brasileiro(a) sabe de cor:
"Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá"
Não quero de maneira alguma banalizar os versos de Gonçalves Dias e sua magnífica Canção do Exílio, mas o “eco” que me veio em mente no final do filme foi: “as manicures que aqui trabalham, não trabalham como lá”. E isso não banaliza o poema, porque Dias o escreveu no período em que estava estudando na Europa, ou seja, sentindo-se como milhões de outros brasileiros que se aventuram em terras distantes. Acredito que em grande parte das pessoas, o longo período longe da terra natal gera mais cedo ou mais tarde uma certa nostalgia que faz com que a pessoa exalte tudo o que remeta a sua casa, sua origem e sua identidade patriótica.
Minha identificação com o filme foi bem clara: de repente todos os “bifes” e fofocas, que tanto me incomodavam nos salões de beleza brasileiros, desaparecem diante da constatação de que na Europa eles não existem mais. Encarar uma outra realidade cultural provoca muitas vezes uma defesa instintiva, que logo grita: o meu mundo é melhor!
Esse conflito e essa reação não são somente normais como essenciais para estabelecer e fortalecer a identidade do ser humano que se desloca para o meio de outras pessoas e crenças, de outro cotidiano e cultura.
A longa estadia distante de casa traz consigo a saudade de detalhes: cheiros, ruídos, gostos, cores, etc. São pequenos detalhes, os quais passavam despercebidos antes, na terra natal. É uma saudade parecida com aquela nostalgia ao se lembrar da infância, uma sensação de perda irreversível. Algo do tipo: eu era feliz e não sabia.

Quem morava no litoral, por exemplo, mas não dava muita atenção ao mar, passa a adorá-lo e se sentir completamente dependente da presença dele. Músicas que antes não eram apreciadas, passam a provocar lágrimas quando ouvidas. Palavras que de repente surgem em uma conversa, leitura ou lembrança, provocam um silêncio imediato e emocionado. O cheiro de um determinado prato torna-se a chave da felicidade.
Nas pesquisas para o espetáculo Lines & Clusters, Karin Jampen e Judith Albisser perceberam que um dos momentos em que um(a) imigrante se exalta de felicidade ao falar de sua terra é quando ele(a) descreve seu prato predileto. O simples narrar de uma receita pode provocar o mais profundo sentimento de saudade e nostalgia.
A brasileira Anita do blog Greetings from Holland escreveu uma vez: "Morar no exterior é como experimentar uma espécie de morte e começar uma nova vida. ’Morte’ que pode ser atenuada pela internet, vôos ocasionais para o Brasil e um aipim ou feijão preto amigo encontrado em lojas asiáticas“. Passar muito tempo em outra cultura é se redescobrir e aprender a lidar com a ânsia em recuperar algo que foi deixado pra trás, mas que ainda faz parte de você.
Quando Gilberto Gil e Caetano Veloso estavam no exílio em Londres, eles receberam a visita de Roberto Carlos. O rei resolveu cantar para os compatriotas a nova música que compusera: “Nas Curvas da Estrada de Santos”. Quando Roberto Carlos terminou de cantar, Caetano estava aos prantos. O rei ficou tão tocado com a emoção do baiano, que compôs uma música pra ele, assim que voltou ao Brasil. A música é a famosa"Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos“:
Um dia a areia branca/seus pés irão tocar/e vai molhar seus cabelos/a água azul do mar (...) e ao se sentir em casa/sorrindo vai chorar.
Os brasileiros que estão longe de sua terrinha sabem o que é sorrir chorando ou chorar sorrindo. É exatamente a reação que o curta de Thaís Aguiar causa em muitas brasileiras, que veem no filme a beleza e a poesia de estar em terras longínquas e ao mesmo tempo a “quentura” e a alegria do próprio país. Essa reação é um exemplo máximo da nostalgia que atropela a nós imigrantes e confunde as nossas lágrimas e os nossos sorrisos, que não sabem mais se vieram por alegria ou por tristeza, mas têm a certeza de que foi a saudade quem os chamou.Pra terminar, vale a pena lembrar um trecho da poesia de Vinícius de Moraes, poeta que também causa em muitos imigrantes brasileiros a tal saudade melancólica:
"A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria.
Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
(...)Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!)
tão feias de minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha,
eu que não tenho Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
(...)"
(Pátria minha - Vinícius de Moraes)


Patricia Flores - Berna, Suíça
Foto: Patricia Flores e Magda Hammer

Um comentário:

Cecilia Zugaib disse...

Belo texto! Muitas vezes, com mais anos que moro fora que os dedos das minhas duas maos, me deparo com uma musica que sai de alguma loja, um cheiro que eu juro ser de acarajé, algo que me lembre a terra natal e caio no choro. Coisa louca, esse amor pelo lugar de onde viemos.