Azul íntegra

...saudades de ter saudades do Brasil, quando eu era uma imigrante em estágio inicial
a primeira infância aprendendo a compreender, a falar, a comer em outra língua.
Quando eu comprava a minha passagem de ida e volta com antecedência de 6 meses e validade de 1 ano,
assim poderia, no meio das férias, decidir se voltava ou não
Saudades de comprar uma lembrancinha para cada um da família e amigos mais chegados
Saudades de ter tantos amigos chegados...
Saudades do país do futuro, de pensar no meu futuro naquele país,
Saudades de não gostar daqui,
de brigar com todo mundo daqui
De ser fiel a um pedaço (grande) de terra com nome pequeno de país
Agora depois de tantas provas e tantos estágios,
me vi.

Você tomou um susto né mãe?
Estou no centro de mim mesma
Aonde todos estão perdidos e me esqueço de querer achar o meu país
Fiquei simples, sem fontes*
Aprendi o óbvio
Sou árvore sem raiz
Sem folhas
Os frutos não identificados
As memórias que vão e vem
Filha, cada pedaço de terra tem a sua cor peculiar
é o diferente, não é bom nem ruim é só diferente...
E acho que somos diferentes porque procuramos parar aqui
e esse aqui e ali não tem fim...
Não tem volta
E reinventar-se outra vez quando se descobre que tudo o que aprendeu
já não serve a nada e nem a si mesma.
E ainda uma vez
descobri que o mundo é imenso dentro de mim
e não cabe em nenhum pedaço de chão
Talvez aqui em casa ele tenha espaço quando festejamos a nossa *desintegração,
dentro dessas situações esfumaçadas que às vezes me irritam e não combinam
com a minha cor,
descobri que não tenho cor
agora, enquanto olho
você é uma cor azul íntegra de um céu traiçoeiro
que vem
que vai
e que deixará saudades...

Luci Macedo - Milão, Itália

*homenagem a Vinicius de Moraes, mestre diplomata de si mesmo.
*humilde homenagem a amiga Thais Aguiar.

Foto: Nei Shimada do Fotos que eu gosto de bater