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segunda-feira, 7 de março de 2011

“Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentido que não pertencia a nada e a ninguém.”

Os dias parecem todos engatilhados, uma roleta-russa sem fim. Muito difícil usar sutiã, roupa, cinto, sapato, dizer bom dia e não babar. Rotina. Sacrifício não arcar os ombros, manter os olhos abertos e produzir. Janelas e reminiscências. Ele foi embora. Ela foi embora. Desconhecem o paradeiro um do outro, na mala um bocado de palavras e sensações intensas. Talvez, já uma senhora, fosse aconselhável se assentar comportada em alguma cidade pacata, economizar para a casa própria e se contentar com a existência. Um homem qualquer, um trabalho qualquer, a vida protocolar. Manhãs, tardes e noites. Coluna ereta. Ajuizado seria empacotar os desejos e despachá-los para lugar desconhecido, mergulhar na realidade dos dias, esquecer fugas nas madrugadas, deixar de furtar poesias, nada de cobiçar as frases alheias, o mais importante: atar a alma ao mundo possível e viver dentro de um único compasso. No pão nosso de cada dia a nítida impressão de que qualquer dia alguém vai girar a cabeça, vomitar gosma verde e engatinhar pelo teto, nada que a assuste, só mais um acontecimento, só mais um telefonema: por favor, venham tirar uma desgraça que se pendurou no teto. Quanto tempo até declarar rendição? Perdeu todas as horas: a de levantar, a de fazer o café, a de tomar banho, a de procurar um escorredor para o arroz, a de achar uma panela do tamanho certo, a de colocar roupa na máquina, a de por ordem na vida, a de tirar passaporte para a outra margem. Ao invés disso desligou o despertador, dissimulou culpas, heresias, medos e dormiu profundamente.


Dona Maria - Rio de Janeiro, Brasil
Do blog rodadefiar

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