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domingo, 20 de março de 2011

Maria Chuteira

Maria se mudara para o povoado havia alguns dias. A região era famosa por ser o lar de vários jogadores de futebol dos times locais. Como em sua opinião os ingleses “andavam na contramão” , ela não dirigia na Inglaterra. Então vivia a mercê de táxis e taxistas bem desbocados. O primeiro taxista em Alderley Edge a gente nunca esquece. Pelo menos isso foi o que aconteceu com Maria. Ao sair do mercado Maria acenou para o táxi. Ele parou e Maria, abarrotada de sacolas, entrou no carro. Disse onde morava e sentiu os olhos do motorista mudarem de cor. Ele repetiu o nome do condomínio com um ar de uauuuu e pelo retrovisor mediu Maria das cabeças aos pés:

- Sunset? Maria, um pouco constrangida, respondeu que sim. Parecia que um interrogatório começaria dentro daquele Volkswagen.

- Onde os jogadores de futebol moram? O sorriso amarelo de Maria não poderia ser maior:

- Sim, senhor, lá mesmo.

- Claro, madame! O “madame” para Maria era uma coisa nova, não tinha vocação para aquelas coisas. E na voz daquele motorista soou suspeito, como se ele tivesse descoberto alguma charada.


- Pra que time o seu marido joga?


- Time? Marido? A moça fica pensando na pergunta, achando-a um tanto filosófica. Ah, time de futebol, claro!

- Nenhum. O taxista fez um bico. Parecia que iria dar uma bronca na moça. Como não? Ela morava naquele endereço e o marido não é jogador de futebol? A moça pra melhorar o clima arrisca:

- Mas de quarta ele joga com o pessoal lá da firma.

- Então, a senhora não é esposa de jogador de futebol? A moça tentou se imaginar do lado de um tipo másculo, forte, peito tanquinho, o moreno do pedaço. Depois pensou nas desvantagens: e se o jogador fosse daqueles cheio de amantes, gostasse de carros tipo-lancha para aparecer, os paparazzi na cola. Negou sem arrependimento:

-Não, senhor. Neste momento aquele homem de meia idade iria soltar a maior pérola que Maria já tinha ouvido em toda sua vida:

- Não é, mas gostaria de ser? Maria quase teve um enfarto com a sinceridade da pergunta. Quando criança e adolescente sonhara em ser bailarina, presidenta do Brasil, detetive ou arquiteta de obras faraônicas. Mas esse negócio de se dar bem com um casamento lucrativo nunca tinha passado por sua cabeça. Sim, porque era isso o que aquele senhor estava perguntando, se os milhões de um jogador de futebol não estavam lhe fazendo falta. Maria tentou ser educada, dando uma resposta que não mostrasse a discrepância entre as idéias e ideais entre ela e o taxista.

- Ah, não. Eu não iria dar conta. Se o motorista já tinha achado Maria estranha, agora ela era o ET em pessoa em sua frente. Jogou-lhe um ar de desprezo e calou-se. Mas ficou pensativo. O que pensava? A mente humana é complicada, não é meu senhor?

A viagem durou cinco minutos e custou seis libras esterlinas. Ao chegar ao condomínio Sunset, o motorista não lhe abriu a porta e nem lhe ajudou com as sacolas. Maria saiu do carro revoltada e jurando vingança: naquele momento uma nova Maria estava nascendo. A Maria Chuteira. Não que tenha começado a investir na profissão mas tornou-se a maior mentirosa das redondezas. Na próxima corrida, quando o taxista lhe perguntou se ela era casada com um jogador de futebol, respondeu que sim. Inventava estórias sobre o suposto marido futebolístico, sim, ele fumava escondido no intervalo do jogo, um horror. Às vezes era mais ousada, dizia que era a amante do tal. Inventava jogadores, perfis completos, só faltava colocar o jogador fictício no Facebook.

Uma vez, mal humorada, disse que era ela a jogadora de futebol e num tom de ameaça perguntou se ele não a estava reconhecendo? E chutou o banco num movimento bem brusco. Essas estórias, piadas e calúnias renderam várias fofocas na vila. Ninguém entendia mais nada. Porém, um dia, Maria enjoou da brincadeira, comprou um carro e nunca mais andou de táxi. Pendurou as chuteiras.


Magda Hammer - Alderley Edge, Inglaterra

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei, Magda Maria.
Beijo e saudades