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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Pouca gente sabe, mas o Rio já tem um disque-exorcismo - 9299-1169

A tradição católica diz que Satanás é esperto e se introduz sem dar na vista. Ninguém repara. A quem já teve - ou suspeita ter tido - o desprazer de acordar um dia com o Diabo no corpo, recomenda-se vivamente comparecer à capela da Igreja de Santana, no centro do Rio de Janeiro, às oito da manhã de qualquer sábado, e procurar o padre Nelson Rabelo. Ele estará de prontidão para vencer, uma vez mais, toda e qualquer insídia demoníaca. Padre Nelson é o único exorcista em atividade no Rio. Seus 89 anos lhe dão um aspecto frágil, mas a alma continua firme e sacudida. Sua folha corrida de serviços prestados à libertação dos danados é verdadeiramente estelar.A cada semana, cerca de 300 aflitos vão em busca de seus préstimos, numa romaria que já dura 38 anos. Ao ritual que presencia há décadas na capela de Santana, o Capeta reage com gritos, regurgitações e demonstrações de força humana descomunal.

No entanto, os procedimentos do padre Nelson não obedecem exatamente à boa norma preconizada pelo Vaticano. Como se sabe, a Igreja Católica sempre agiu com extrema cautela ao lidar com casos de suposta possessão. Antes que o exorcismo seja sequer cogitado, exige-se que o paciente seja submetido a exames clínicos e psicológicos. Mas isso são luxos de Primeiro Mundo. As centenas de pessoas que todo sábado vão atrás do padre Nelson querem é sossego, libertação, e não exame médico - ainda mais se tiverem que entrar em fila do sus. A pressa, no caso, é efetivamente vital. Ensina a boa prática que o possuído deve receber ajuda imediata, sob pena de Belzebu deitar raízes.



Além disso, falta mão de obra especializada ao Vaticano. Roma dispõe de apenas seis exorcistas oficiais. Ainda que a produtividade deles seja prodigiosa, é evidente a assimetria entre as forças do Bem e as forças do Mal. Estudiosos afirmam que há três séculos (por baixo) faltam exorcistas na praça.
O jeito é improvisar. Exige a Igreja que rituais de exorcismo tenham expressa autorização episcopal? Pois hoje em dia - antes não importa: o que passou, passou - o padre Nelson conta com a anuência de dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro. Ciente de que o padre Nelson não era doutor em teologia - o título é condição sine qua non para que o Vaticano conceda a carteirinha de exorcista -, dom Orani deu uma ajeitadinha semântica e sugeriu que os embates de sábado fossem batizados de "aconselhamento e atendimento à população". Pronto, ninguém falou mais nisso.
Padre Nelson não liga nada para denominações. Seu negócio é dobrar o Cão. Da primeira vez que o enfrentou, em Minas Gerais, era missionário ainda. Foi com uma jovem de 15 anos que gemia feito louca e aterrorizava a família com uns gritos que ninguém entendia. "Era Satanás. Primeiro ele disse que não ia sair, mas depois de um tempo foi obrigado a baixar a guarda." Não era esse o ofício que padre Nelson planejava abraçar. Havia sido carpinteiro (como José), alfaiate de batinas e barbeiro de noviciados (com ligeira especialização em tonsura franciscana), e imaginara para si uma vida pia e serena de trabalho e oração. O Maligno fez um desafio e padre Nelson encarou. Foi ali que o Capiroto se perdeu.
Disposto a passar adiante os seus conhecimentos, o padre publicou um opúsculo intitulado Orações de Intercessão, Cura e Libertação para Leigos. Pode-se adquiri-lo na secretaria da paróquia, por módicos 5 reais. Na apresentação, o autor oferece aos aflitos o número de seu celular pessoal, 9299-1169 (ele atende também em casa ou em endereço comercial), e a seguir enumera as tentações a evitar: "É necessário renunciar a qualquer tipo de ocultismo, satanismo, espiritismo, esoterismo, curandeirismo, magia negra, vodu, bruxaria, horóscopo e qualquer outro tipo de adivinhação ou superstição", incluídos aí os jogos de porrinha, dedanha e cara ou coroa (os leigos consideram exagero). A publicação tem capítulos dedicados ao exorcismo de locais de trabalho, ambientes comerciais e fábricas.
Eis alguns sinais insofismáveis da presença de Satanás: falar em idiomas desconhecidos, ter força não compatível com o tipo físico, contorcer as mãos, repudiar imagens e palavras cristãs, ter gosto por escalar paredes e por se debruçar sobre o próprio vômito. Também merecem atenção bebês gritões e mulheres gordas com grande capacidade de equilíbrio, estas, aliás, bastante recorrentes: "Uma delas, enorme, corria sobre os encostos dos bancos da igreja gritando impropérios", diz o padre. Em versão mais branda, a possessão também se manifesta por comichões, dores de cabeça e incômodo nas costas. Padre Gabriele Amorth, de 85 anos, exorcista do Vaticano, menciona ainda blasfêmias e a capacidade de vomitar cacos de vidro ou pedaços de ferro.
Em qualquer sessão de exorcismo é essencial identificar qual anjo caído está no corpo da vítima, pois para expulsá-lo é preciso chamá-lo pelo nome. Em entrevista à revista Catolicismo, o padre Amorth ensina que os nomes bíblicos são os mais poderosos: Satanás, Asmodeu, Lilith. E também Zabulom, que está na Bíblia não como demônio, mas como uma das doze tribos de Israele - foi um Coisa-Ruim, sem dúvida antissemita, que depois se apossou do nome. "Um fortíssimo!", diz o exorcista. Demônios são bastante especializados. Asmodeu, por exemplo, é particularmente bom em destruir casamentos. "Tremendo!", exclama o padre Amorth, que se escora numa experiência de mais de 40 mil sessões de exorcismo.
É um trabalho duro, que vem deixando marcas na saúde do padre Nelson. Desde a juventude ele padeceu de doenças. (Aos 22 anos, por exemplo, caiu de cama com esquistossomose.) O coração é frágil e os jejuns a que se submete produzem tonteiras constantes. À idade avançada, somou-se de uns tempos para cá, mais intensamente, a atuação do próprio Chavelhudo. "Ele diz no meu ouvido que vai me fazer levar um tombo", conta o padre.
No mês passado, com efeito, em dois fins de semana seguidos, o padre caiu no chão justamente quando os fiéis possuídos começavam a se organizar em fila para a poderosa libertação. No entanto, apesar da cabeça sangrando, padre Nelson se recusou a chamar a ambulância. "Eu sentia que o Demônio não queria que eu trabalhasse. Ele estava na igreja!", abespinhou-se. Em setembro do ano passado, quando assaltantes invadiram a igreja, algumas reportagens disseram que padre Nelson era o mais assustado. Ele nega: "Não tenho medo, não! O demônio não faz nada a ninguém!" Não é bem assim, como demonstra o próprio ofício. Padre Nelson sabe que Belzebu tem força - e por isso mesmo cuida de desmerecer o dito-cujo. Nem que seja para criar coragem de enfrentá-lo de novo no sábado que vem.
Fonte: Revista Piauí_45

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