Parece que o Natal foi ontem e já estamos caminhando para o final de ano de novo. Essa frase, campeã das conversas vapt-vupt de elevador (ou de sinais fechados), existe desde que o mundo é mundo. A impressão de que o tempo voa persiste desde que o homem começou a pensar no sentido da vida. No início da era cristã, o filósofo Sêneca (7 a.C.-65 d.C.), na obra Sobre a Brevidade da Vida, dizia que finalmente, constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela [a vida] já passou por nós sem que tivéssemos percebido. Foge o irrecuperável tempo, dizia o poeta latino Virgílio (70-19 a.C.).
Sim, o tempo voa. A má notícia, caro leitor, é que tudo parece estar cada vez mais rápido mesmo. Há pouco mais de dez anos, a dupla de pesquisadores James Tien e James Burnes, do Instituto Politécnico Rensselaer (Nova York), provaram que percebemos hoje o tempo passar muito mais depressa do que no passado. Segundo eles, essa variação de percepção tem a ver principalmente com o crescimento das novas tecnologias, sobretudo com o chamado tempo real de transmissão de informações pela internet. Isso quer dizer que cabem muito mais acontecimentos dentro do mesmo espaço de tempo, o que aumenta a sensação de velocidade, afirma Tereza Mendonça, psicanalista do Instituto de Estudos da Complexidade do Rio de Janeiro.
O lado bom é que é simplesmente sensacional ter acesso a informações com mais agilidade. Isso ajuda a impulsionar a vida e toda essa tecnologia foi criada para nos ajudar. Só precisamos aprender a usá-la com inteligência e não como uma fonte de angústia. Caso contrário, nosso cérebro entra em curto-circuito. Imagine se na época de sua avó ela conseguia, no mesmo instante, saber de notícias online, falar com alguém pelo celular, acessar a agenda eletrônica, ver e-mails, responder chamadas no messenger... Mesmo podendo fazer tanta coisa ao mesmo tempo, é bom lembrar que o dia continua tendo 24 horas, a hora 60 minutos e assim por diante. Está certo que essa contagem foi criada pelo homem (a natureza não tem ponteiros de relógio, lembra?), mas, nesse quesito, nada mudou nos dias atuais. O que aconteceu é que acumulamos funções. O que fazer, então? A psicanalista Tereza Mendonça apropria- se de um conceito da biologia para dar uma idéia de como melhorar essa relação sem precisar fugir para o meio do mato. Temos que colocar uma membrana seletiva imaginária entre nós e a vida. Já que muita coisa acontece ao mesmo tempo, o jeito é filtrar através dessa membrana, que, assim como uma membrana celular, só deixa passar aquilo que é bom para nós, o que nos favorece, diz. Desse jeito fica possível saborear o tempo de forma criativa, como uma experiência, e não como algo que nos escapa. O tempo fica algo maleável, que pode se estender.
Precisamos aprender a usar esse filtro por basicamente duas razões: primeiro porque, na vontade irreprimível de conseguir fazer tudo rapidinho, o monstro da ansiedade vem para nos assombrar e causar os mais diversos incômodos. Segundo porque, definitivamente, não dá para fazer (direito) mais de uma coisa ao mesmo tempo. Nossa atenção pode, sim, ser dividida. Mas isso não quer dizer que sejamos capazes de nos aprofundar. Vamos ver, a partir daqui, de que forma cada uma dessas razões mexem na nossa vida cotidiana.
A ansiedade
Para começo de conversa, ansiedade não é nada ruim. Não é doença, mas um estado emocional absolutamente normal do ser humano, assim como felicidade, paixão, dor, raiva. Precisamos de certa dose de ansiedade, inclusive, para nos mantermos vivos. Esse sentimento está ligado ao nosso instinto de proteção e sempre é ativado em nosso organismo quando nos vemos em uma situação de perigo. É um instrumento de alerta e reação. Ou seja: uma pequena dose de ansiedade antes de uma prova, de uma competição ou até de uma entrevista de emprego pode fazer bem.
A ansiedade
Para começo de conversa, ansiedade não é nada ruim. Não é doença, mas um estado emocional absolutamente normal do ser humano, assim como felicidade, paixão, dor, raiva. Precisamos de certa dose de ansiedade, inclusive, para nos mantermos vivos. Esse sentimento está ligado ao nosso instinto de proteção e sempre é ativado em nosso organismo quando nos vemos em uma situação de perigo. É um instrumento de alerta e reação. Ou seja: uma pequena dose de ansiedade antes de uma prova, de uma competição ou até de uma entrevista de emprego pode fazer bem.
O problema é o exagero. Tanto que, atualmente, pelo menos 25% da população mundial já foi acometida por algum tipo de transtorno ansioso na vida. Transtorno quer dizer síndrome do pânico, as mais variadas fobias e outros males que imobilizam a vida da pessoa. Crises pontuais como uma taquicardia porque o trânsito não anda e você precisa chegar logo nunca foram contabilizadas oficialmente, mas dá para imaginar o resultado. Uma pesquisa feita em 2005 com 820 pessoas de Porto Alegre e São Paulo pela Isma-Brasil (International Stress Management Association) mostrou que 83% dos participantes afirmaram ter problemas de ansiedade.
Mas o que acontece com um ansioso? Ele sofre e sofre muito. Ninguém morre de ansiedade. Mas pode padecer de sensações horríveis, tais como tremores, suador, opressão e dor no peito, boca seca, palpitações, tonturas, entre outros sintomas muito incômodos que podem levar a pessoa ao hospital, como aconteceu com Paulinho da Viola, afirma Tito Paes de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, autor do livro Sem Medo de Ter Medo. A ansiedade vem porque queremos chegar logo no futuro, rápido, saber o que vai acontecer daqui a pouco. É como querer adiar a vida o tempo inteiro. Fazemos mil coisas para aproveitar o tempo e preparar o terreno para o futuro, um futuro que não chega nunca, afirma Andrea Vianna, psicóloga do Amban (Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo).
E tem mais: de que adianta viver correndo em função do futuro, sem aproveitar o presente, se ninguém sabe a hora da morte? Pois essa idéia de falta de controle é outro fator que acarreta ainda mais e mais ansiedade. Segundo Andrea, nessas horas de crise ansiosa, um bom exercício é parar um minuto e prestar atenção na respiração. Se ela estiver curta demais e centrada apenas no tórax, procure respirar pelo abdomen, puxando e soltando o ar em três tempos, como se tivesse uma bexiga cheia e vazia na sua barriga. É um primeiro passo para retomar o controle do próprio corpo.
Vida aos pedaços
A segunda conseqüência preocupante da ansiedade é que, ao fazer tudo rápido, não dá tempo de nos aprofundarmos em nada. Só escancaramos ainda mais nossa sensação de urgência. Fica tudo na superfície, como se provássemos as coisas (e pessoas) aos pedacinhos. Já existe até um termo para isso: snack culture, ou cultura aos pedaços, em inglês. Cunhado pela revista americana Wired, o termo diz que vivemos uma época de entretenimento instantâneo, com produtos culturais feitos para serem consumidos rapidamente para que outros sejam logo produzidos. Não é à toa que já existem filmes de um minuto, livros para ler no intervalo da novela e sites com apenas trechos de músicas. Tanta superficialidade não deixa tempo para reflexão sobre o que se consome o lado bom da história é que nunca houve tanto acesso à cultura como atualmente.
O problema é que a febre snack não atinge só a cultura, mas a vida como um todo inclusive a vida afetiva. O sociólogo polonês Zygmunt Baumann chama esse fenômeno de fluidez da existência contemporânea. A vida numa sociedade líquido-moderna não pode ficar parada. Deve modernizarse ou então perece. É preciso correr. Ligar-se ligeiramente é uma ordem. Não importa o que aconteça, propriedade, situações e pessoas continuarão deslizando e desaparecendo numa velocidade surpreendente, afirma em seu mais recente livro, Vida Líquida.
É só pensar um pouco para reparar no quanto nossa cultura associa viver mais depressa com felicidade e inteligência. Um sujeito rápido é logo identificado como inteligente o lento já é taxado de burro. Isso é uma tremenda balela, mas é assim que temos enxergado o mundo. Prova disso é a pergunta de Albert Einsten a um aluno: Por favor, você pode explicar este problema devagar porque não entendo as coisas depressa?
Se você chegou até aqui nesta reportagem é porque dedicou um tempinho do seu dia para uma reflexão. Então responda: que diferença faz a velocidade com que você responde a uma pergunta, desde que a resposta seja correta? A não ser que esteja se preparando para uma profissão como salva-vidas ou motorista de ambulância, você acha mesmo importante dar valor a essa mesma velocidade que causa ansiedade e superficialidade? Forçar o vinho a envelhecer depressa, as árvores a crescerem rápido, apressar um chute na bola, forçar o amor a vir mais cedo, o amanhã a chegar hoje. Gostamos de andar rápido e vencer a corrida. O problema é que perdemos a grande vitória da desaceleração a ser conquistada, diz o psiquiatra americano Edward M. Hallowell. Se a idéia é aproveitar o tempo, sossegue. Você vai viver mais do que seus avós a expectativa de vida do brasileiro cresceu mais de 8 anos nos últimos 23 anos. Se o homem vive mais tempo, o tempo não precisa lhe faltar. Como diz Paulinho da Viola, coisas do mundo, minha nega.
Artigo da Revista Vida Simples (Por Mariana Sgarioni - Ed. Setembro 2007)
Artigo da Revista Vida Simples (Por Mariana Sgarioni - Ed. Setembro 2007)
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