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domingo, 28 de setembro de 2008

A vida, as mudanças e os amigos

Se tento voltar ao tempo, as minhas primeiras lembranças, sempre me saltam memórias de amigos da escola, da vizinhança, filhos dos amigos dos pais, primos que moravam longe, colegas do ballet ou do curso de inglês. Muitas dessas pessoas desapareceram da minha vida. Felizmente continuo tendo laços muito estreitos com alguns amigos de infância. Como eu, estes amigos modelaram a sua personalidade e estilo de vida ao longo dos anos. Ainda assim compartilhamos semelhanças que nos unem.


Ao sair do Brasil, para terras onde não temos referências, tive a sensação que amizades tornam-se ainda mais representativas no dia-a-dia do estrangeiro. Conhecer novas pessoas, com as quais é possível compartilhar notícias ou acontecimentos corriqueiros, confiar, dar e receber carinho, ir ao cinema em tardes frias, é uma tarefa difícil. 

Há aqueles que se agarram aos primeiros brasileiros que surgem e, embora no Brasil jamais teriam uma relação de amizade, no exterior tornam-se melhores amigos pelas circunstâncias. Outros querem inserir-se de tal forma na nova realidade que rechaçam contato com conterrâneos terceiro-mundistas. A palavra de ordem é deixar de ser brasileiro, viver como um americano ou um europeu, esquecer o português (ainda que não fale a língua estrangeira nada bem). 

A Suíça é o 5° país estrangeiro em que moro. Já experimentei andar com brasileiros para poder falar o idioma, rir, expressar minha saudade do feijão, arroz e bife sem ter que me explicar. Já fui à lugares onde não pude nem conhecer estrangeiros, e me adaptei à cultura local de tal maneira que meus amigos falavam mal de outros estrangeiros na minha frente. Quando eu me pronunciava “alto lá, também sou estrangeira”, eles diziam: “não, você é como a gente, estrangeiros são os iugoslavos e os turcos”. Ao deixar cada lugar, tinha certeza que deixava um pouco de mim, um pedaço da minha historia, da minha felicidade amenizada pelos companheiros que deixava pra trás. 


Cheguei na Suíça sem fazer muito esforço para conhecer gente nova. Ao conhecer pessoas legais, pensava cética: “nem vale a pena investir nesta amizade, mais cedo ou mais tarde, ou eu, ou eles vão embora”. A grande verdade era que estava cansada de sofrer com a separação, começar tudo de novo e igualmente de querer que os meus grandes amigos do Brasil e do resto do mundo participassem ativamente da minha rotina. Eram horas na frente do computador, contando todas as façanhas, enviando fotos de passeios que eles nem sabiam onde haviam sido feitos. 


Eis que a vida nos surpreende novamente e traz pessoas tão importantes, que fazem mais doce a dura realidade de estar fora do seu habitat, da sua família, da sua cultura. Hoje tenho um círculo de amigos em Zurique muito especial. Alguns são para se ver uma vez a cada dois meses, tomar um café, falar por alto da vida. Mais do que esses encontros casuais com gente querida, tive a grande sorte de achar amigos–irmãos. Aqueles com quem a gente pode jogar-se na cama sem ter que tirar o sapato, falar baboseira, levar puxada de orelha, discutir temas filosóficos e mundanos, ouvir elogio, abraçar, rir e chorar. 

Como havia diagnosticado, esses seres viram a sua família. Se eles saem de férias, sinto falta de não vê-los aos domingos ou almoçar com eles durante a semana. Continuo temendo o abalo que terei se algum dia nos separarmos. Mas pra quê sofrer por antecipação? Por que não aproveitar este presente, que é a nossa única certeza nessa vida? Os amigos do Brasil continuam sabendo da minha rotina, e os de outros cantos vão sendo selecionados; restam somente os verdadeiros. Uma coisa seja dita: não imagino uma vida nem aqui, nem na China, sem amigos.


Cecília Zugaib - Zurique, Suíça

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei seu texto me identifiquei 100% bjj Moreno....