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domingo, 28 de setembro de 2008

Nem toda brasileira é bunda (de silicone)

“Eu coloquei 200 mililitros.”

- “Eu prefiro 300 mililitros."

Foi essa conversa que uma amiga minha ouviu na sala de espera de um requisitado cirurgião plástico em São Paulo. Como ela só estava ali para entrevistá-lo, e, é

totalmente leiga no assunto (pelo menos é o que ela conta, pensando bem ela tem um peitão, ah será???), ficou imaginando do que se tratava a conversa.

Enfim, entre um comentário e outro ela percebeu que estavam falando sobre silicone. As duas senhoras eram turbinadas. Turbinadíssimas. E reparando bem, não só nos seios.

Isso despertou a minha curiosidade, e confesso que fiquei meio cabreira. Como é que pessoas totalmente bem informadas, como eu e minha amiga, não se tocaram imediatamente que as duas senhoras estavam discutindo o tamanho da teta de cada uma? Tenho que me manter mais informada. Precisava tomar alguma atitude!


Primeiro, aproveitei o tédio do consultório médico para folhear a Caras. Gente! Luisa Brunet, Sônia Brega, ups Braga, como elas estão diferentes! Poxa, uma grande turma não pode mais cantar a música “Pagu” da Rita Lee: “Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda, meu peito não é de silicone...”

Segundo, visitei o site de uma clínica de tratamentos estéticos. Ali encontrei vasto vocabulário inexistente no meu dia-a-dia. Meus comentários estão em itálicos.


-Tratamento de Cicatrizes de Acne a Laser - nossa que chique, na minha época era minancora e olhe lá.

-Blefaroplastia a Laser - pensei, alguma coisa dentro do cérebro? Não, cirurgia estética das pálpebras.

-Skin Resurfacing (peeling a laser) - surfar o que? Aquela areinha a laser???

-Peeling Químico de Fenol Light - saudações de Chernobyl? Ainda bem que só tem a versão light, a heavy se chamaria Hiroshima???

-Implante de Restylane, Hidrogel, Alloderm (células humanas), Metacrilato (PMMA), Out-line (Acrilamida) - é a tal da clonagem?

-Fio Russo, Dermosustentação da Face - meu Deus que Meda!

-Elevação de Sobrancelhas - elevar? Até onde?

-Micro-implante de Sobrancelhas (fio a fio) - é fio do que, ai que meda de novo!

-Aumento de Lábios (Bardotização) - Bardo... sem dúvida, a língua portuguesa evoluiu muito nos últimos tempos.

-Aumento das Mamas com Prótese de Silicone (Importada) - mas nem no ramo onde o Brasil é super avançado o produto nacional é valorizado?

-Plástica de Umbigo ai Jesuis, começaram a mexer nos buracos!

-Rejuvenescimento de Mãos (Lipoescultura) - e a cura do câncer, como vai?

-Elevação de Nádegas com Fio Elástico - imaginei o médico com uma cordinha amarrando a bunda ao pescoço.

-Tratamentos contra Celulite - o verdadeiro mal do século, quer dizer, ela já existia antes, mas a celulite só foi notada lá por 1960. A Marilyn Monroe tinha também e ninguém nunca reclamou! Sobrou para nós que viemos depois dela, mais um causo para a mulher moderna lidar. Aliás, quem será que foi o puto que “descobriu” a celulite?

-Drenagem Linfática - maior legal esse nome.

-Estimulação Russa - hum, essa eu até topo. Nunca provei um russo. Ai Putin, vem meu bem...


Falando sério (juro, vou tentar!): eu admiro os avanços da medicina e da tecnologia. E sei que eles são muito úteis em caso de acidentes ou defeitos de nascença. Reconstrução do seio após câncer de mama, claro! Silicone após amamentação, tudo bem, conheço o fenômeno ovo estrelado...Mas é que ser bonita virou uma coisa tão corriqueira, tão banal. Qualquer um é bonito, e pior: o mundo colocou na cabeça que não se pode mais envelhecer.

E a geração silicone então? Brasileira antigamente tinha seio pequeno, não tem mais. E a chinesa não opta por quebrar as pernas para os médicos poderem alongá-las? Tudo é possível.

Tudo bem, cada um é cada um, e decide o que quer fazer com o próprio corpo. Tão natureba assim eu também não sou. Sou vaidosa, faço minhas mudanças, pequenas, mas mudanças. Não vou deixar, por exemplo, as axilas tão cabeludas quanto as de um estivador português, só porque é a natureza da coisa. E antes eu achava cabelo branco uma coisa linda, até que eles começaram a aparecer na minha própria cabeça.


Mas alguma coisa está errada. Pensei em um verso da Cecília Meireles:


Eu não tinha este rosto de hoje

Assim calmo

Assim triste

Assim magro

Nem estes olhos vazios

Nem o lábio amargo

Eu não dei por esta mudança

Tão simples

Tão certa

Tão fácil

Em que espelho ficou perdida minha face?”


Nesse instante imaginei a autora dos versos acima na sala de espera no lugar da minha amiga, sentadinha de pernas cruzadas, com seu jeito solitário e frágil, ouvindo aquelas estórias. Nossa Ciça (já íntima da Cecília Meireles) não estaria cheia de vastas emoções e pensamentos imperfeitos (isso já é Rubem Fonseca). O que ela estaria pensando?

E como se a própria Cecília tivesse baixado em mim, matei a charada: a ciência e a tecnologia podem tirar as pelancas, sugar a gordura e esticar rosto. Mas colocar novamente o brilho nos olhos que a gente perde quando a juventude se vai, ah, isso nem Pitangy! Aquela inocência, aquele entusiasmo, só a gente trabalhando o lado de dentro mesmo, transformando-o em outras belezas, em outras juventudes.

Que cada ruga seja bem ganha, bem vivida! E que a mulher aprenda a envelhecer e crescer interiormente sem se prender a tantos conceitos estabelecidos pela ditadura da moda e da estética.


Magda Hammer - Zurique, Suíça

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente!
Adorei a revista integra.
Diva De Luca