A Revista Íntegra, após cinco anos de publicações, chega ao fim.
Convidamos você a conferir esta última edição. Saiba mais...

domingo, 1 de junho de 2008

Senhora F.

Uma senhora saiu do elevador e como eu estava saindo da minha casa, cordialmente nos olhamos, e discretamente ela me perguntou se eu sabia qual era o apartamento da Sra. Franca, pensei então: "nesse andar só tem dois apartamentos, e eu nao sou a senhora Franca, Federico também não é, Anna muito menos". Não temos cachorro, eu nunca colocaria o nome da minha cachorrinha de Franca. Os cachorros não são francos, são puxa-sacos. O cachorro da minha vizinha late o dia inteiro e eu não posso nem reclamar, porque minha filha grita o dia inteiro.
A senhora espera paciente no meu andar...
Eu moro no quarto andar.
Meu prédio tem poucos andares, mas o suficiente para abrigar os poucos moradores e seus apartamentos antigos e espaçosos. Não é negócio vender apartamentos agora, melhor deixar para herança dos filhos e esses dos netos. É grande e caro mantê-lo, mas melhor nao vendê-lo. Economiza-se no que se pode: na água, no banho, na mesa.
A família unida não vende, se mantém, mantém-se viva a idéia de família, todos unidos nas festas religiosas. Eu também fui assim, tentei me enturmar, fiz sempre a ceia de natal na minha casa. Na última estava toda a nobre familia, eu quis caprichar, contratei até um papai Noel, ele chegou bêbado, deu escândalo, e minha filha disse: -Papai Noel pode fazer o que quiser, né mamãe?! A família comentou: - O natal dos brasileiros é assim...
O papai Noel era um tipo alternativo, ele achou a minha casa muito burguesa e sem espírito ou energia, como ele mesmo disse, de Natal. Falou bem alto que eu não era livre. Isso porque ofereci a ele coca-cola, e nao vinho. Não sei porque fiz isso, o vinho é o meu vício, meu céu, meu chão. Branco, vermelho ou rosa, eu contemplo suas cores. Com ele sou delicada e faço as mais carinhosas combinaçoes. Com ele vou dormir, acordo pensando e passo o dia esperando.
A senhora ainda espera minha resposta.
Onde mora a Sra. Franca?
Eu moro há muitos anos nesse prédio, portanto tenho a obrigação de dizer quem é a Sra. Franca. Tenho pressa. Preciso superar a Sra. da pergunta e entrar no elevador, mas ela está na porta do elevador. Não sei, mas tenho que responder, preciso ser gentil. Na Europa é educado ser gentil, ser anônimo, não ser incômodo, inoportuno. Non importa nessuno.
Ai que saco, quem é essa senhora?
Mas, perguntei: - Por acaso essa Sra. Franca é loira com os cabelos curtos?
Sim. A senhora da pergunta respondeu.
Ah... é a minha vizinha!
Obrigada senhora; disse ela.
Até logo, por nada; disse eu.

Luci Macedo, Milão - Itália

2 comentários:

Leo Lama disse...

Por favor, Sr. Franca, a senhora sabe onde morava a senhora Luci? Sim, ela foi sua vizinha, dizem. Sei, não mora mais aqui. A senhora sabe pra onde ela foi?

Anônimo disse...

Achei muito bom a tua cronica Luci, teu estilo de escrever sobre coisas comuns e excelente...acho que tu deveria investir neste talento de cronista!