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quarta-feira, 26 de março de 2008

Mulheres do século XXI

Venho de uma família altamente matriarcal, onde as mulheres – avó, tias, primas, mãe, irmã – são personalidades fortes e influentes. As figuras femininas da família Souza destacam-se no trabalho e são admiradas pela sua competência e conhecimento. Em casa, cumprem o papel de mães, donas-de-casa e esposas exemplares e apesar de toda a energia que essas duas funções implicam, espalham a sua feminilidade. A união das nossas mulheres é visível tanto para os homens nascidos na família como para os que a ela se incorporam.

A minha mãe sempre trabalhou e ainda trabalha muito. Ainda assim, sempre recebi seus cuidados, seja na alimentação, na nossa aparência ou educação. Cresci escutando que mulher tem que trabalhar e nunca tive o sonho dourado de casar e ser simplesmente mãe ou a mulher de alguém. Lembro de como me incomodava desde pequena o machismo no Brasil. Menino pode mais, é incentivado a iniciar sua vida sexual e mantê-la super ativa. Menina é fácil e não vale nada se fica com alguns, tem que cuidar da reputação.

Cresci, acabei a universidade e fui estudar em Barcelona. Ao chegar nesta cidade, senti e confirmei em diversas ocasiões novamente o machismo dos latinos também neste país. Para o meu desgosto, mulher brasileira – seja lá quem você for – é prostituta, fácil de cama. Tentei não levar muito a sério e simplesmente acreditar que esse preconceito não passa de ignorância destes nossos hermanos.

A minha próxima parada no velho continente foi a Alemanha, onde tive, em questões machistas, uma experiência boa. Lá as mulheres trabalham e gozam de um certo status, praticamente igual aos homens. Há falhas como ainda a desigualdade de salário, mas também compensações como a licença maternidade de até três anos com direito a voltar ao mesmo posto de trabalho e atualmente o direito de receber por um ano cerca de 60% do seu salário. Na Áustria – onde também morei - o sistema é bastante parecido ao alemão. Há poucas mulheres em cargos de chefia mas ainda assim pude assumir, juntamente com uma colega altamente feminista, um dos postos mais altos da empresa.

Mudei para a Suíça há quase três anos e me encontro atualmente no período crítico para empregadores: casada, sem filhos, entrando nos trinta. Nessa nova etapa da vida, venho sentindo na pele o que o “ser mulher” implica. Apesar de proibido, com direito a ganhar processo caso seja comprovado, não passei na seleção a postos de trabalho por ser mulher. A pergunta “e quando virão os filhos?”, proibida em entrevistas, surgiu 90% das entrevistas que fiz aqui. Noto a disparidade de salários entre homens e mulheres ocupando os mesmos postos, tendo semelhante qualificação. Se o meu marido ganhasse o mesmo que ganho, eu pagaria mais impostos que ele. Licença maternidade? Três meses e não voltar ao trabalho depois deles implica a demissão. O sistema não está concebido para mulheres que trabalham e são mães. Há poucas creches, caras e com filas de espera. Babás são igualmente impagáveis a um trabalhador normal. O aspecto positivo é que há oferta de trabalhos parciais, de até 20% (equivale a um dia). Começo a enxergar a Suíça menos “avançada” e considerar países como a Suécia, Noruega e até de certa forma, o meu Brasil, que julgava machista, como progressistas nestas questões.

A sociedade e o estado espera que mulheres procriem. Talvez os maridos desejem secreta ou diretamente que as mulheres se contentem com o papel de esposas e mães. Eles se encarregam de ganhar o pão. As próprias mulheres espalham o preconceito contra o seu sexo. E eu? Será que vou me contentar a simplesmente fazer compras, cozinhar e empurrar carrinho de bebê depois de tantos anos de boa educação e experiência? Ser mãe deve ser maravilhoso. Mas e todas as outras lutas que tive como estrangeira, para conseguir meu lugarzinho ao sol em terras de ninguém? Onde fica a naturalidade da minha criação que mulher é mãe, esposa e bem-sucedida no trabalho?

Por favor não me rotulem de feminista. Acredito que homem e mulher são seres diferentes, que agem, pensam e sentem diferente. Nao quero ser agressiva e mal-humorada no trabalho para poder mostrar que sou eficiente e trabalho tão bem quanto um homen. Tampouco quero deixar de me maquiar e enfeitar ao sair de casa. Sou uma mulher totalmente normal, uma mulher do meu tempo, lutando contra questões do passado, cujas em pleno século XXI, infelizmente, ainda são temas atuais.
Cecília Zugaib, Zurique - Suíça

11 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Ci!

A Íntegra já está nos meus favoritos...
Muito legal o texto, fiquei tocada com as suas questões.
Espero sinceramente que você se realize em todos os aspectos da sua vida...acho que a gente pode e deve quer TUDO. Beijos!!

Beanez disse...

Antes de tudo...
Muito bem Cição belo retorno a veia criativa dentro de vc, continue com ela pulsando e jogando "sangue" pra todo lado. Farei minha divulgaòao ao feminino por aqui.

Sobre o artigo acho q vc tb bem sabe meu ponto de vista e quanto estou do outro lado das tuas questões. Tanto reflexivo quanto consternado.

Ao mesmo tempo q vejo toda a descriminação desse sistema machista q você põe e vemos, reflito tb numa questão animal da qual a natureza humana não pode desvencilhar-se: Mãe é fêmea, Pai é macho... e pra parir tenha certeza que tem q ser é muito MULHER.

O ponto é que pra ser Mãe tem q ser Mulher e Mulher q quer ser Mãe tem que ser MÃE antes de tudo.

Um ultimo alento:
"Paciência... Quem muito Mulher é assim sempre serà... Paciência!"

Anônimo disse...

Ciça,

Você conseguiu relatar de forma bastante realista os problemas enfrentados por todas nós.
Fomos e somos criadas para dividir o "espaço" com os homens.
Estudamos para isso, batalhamos para isso.
MAs o mundo nos quer lindas mulheres, excelentes mães, extraordinárias esposas e competentíssimas profissionais.Repare que os adjetivos são sempre os que indicam superlativos.

Os homens não precisam ser nada disto. E pior, nós própias exigimos isto uma das outras.
Fico indignada com a falta de união e solidariedade feminina. E depois sofremos com a culpa.
Se abrimos mão da carreira para dedicar à família provavelmente somos incompetentes ou dondocas, Cinderelas!
Se o contrário, duronas, frustradas no "amor" e para compensar, nos dedicamos ao trabalho.


Se usamos maquiagem, peruas; se não, desmanteladas!
Se sorrimos, somos fáceis; se não, mal amadas!
Se falamos palavrão, desbocadas; se não, pudica!


Não é fácil acordar cedo, deixar a casa organizada (quem é mãe, cuidar dos filhos), trabalhar, malhar, chegar em casa, verificar se está tudo em ordem,(mães - ver a tarefa dos filhos, se tudo está organizado para o dia seguinte), estar linda, perfumada e bem disposta para o marido.Ou você dará "espaço" para concorrência.


Tadinho dos homens que "ajudam" nas tarefas domésticas. As esposas são megeras.
E os que não dão conta "do recado"... se traídos, as esposas são umas safadas, p..., que traem o pobre coitado enuqnato este trabalha para sustentar a vagaba..

Quanto a pai, basta levar os filhos para passear e pagar as contas para ser bom!
NÓS SOMOS CULPADAS. NÓS CONSTRUÍMOS ESSE MUNDO. NÓS QUEM EDUCAMOS NOSSOS FILHOS HOMENS.
A menina lava a calcinha no chuveiro. O menino nem pensa em lavar a cueca.
Isso irá "afetar" a masculinidade dele.

E vamos além.. Se casamos com um homem mais velho, estamos buscando segurança; se com um mais novo, estamos sustentando o malandro.
Acidentes de carro ocorre muito mais com homens e no entanto nós é que somos perigo constante.
Se não casamos antes dos 30, ficamos para titias, se os homens não se casam antes dos 40, são inteligentes e querem aproveitar a vida.
Ah... como é difícil ser mulher!
Myrna

Anônimo disse...

As mulheres do nosso século querem D+mais : Quer ter um bom trabalho , quer ter um bom cargo , quer ter um bom marido , quer ser uma boa esposa, quer ser uma boa mae ,quer ser boa de cama, quer ,,quer,,quer,,quer,,___ sempre querendo ter e ser ______ser uma boa profissional, esposa e mae é uma missao impossivel :: ( uma ou outra) ....se querem as duas coisas o preco é a falta de tempo p/ o marido , indisposicao p/ sexo entre outras atividades conjugais e socias .

Anônimo disse...

Oi

Cecilia, me alegra muito saber que vc não vê a Suíça mais como "tão avançada"...pena que a ficha ainda não caiu para muitas mulheres!

Anônimo disse...

Por que nos comentários aparece "anônimo" e não anônimaaa???!!! Machismo!!!!!

Anônimo disse...

É claro que todos esses problemas femininos está presente nas nossas vidas. A maternidade tem se tornado cada dia mais um martírio.
Mas não entendi porque vc se desculpou e justificou dizendo não ser feminista.
Enfim, algo me incomodou muito no texto e nos comentários: a busca em ser uma mãe e esposas perfeitas. Isso sim é não estar no século XXI. A mulher não é a responsável pelo filho e pelo marido!!! Busca-se uma boa relação com o parceiro e uma boa educação para o(s) filho(s). O casal faz isso juntos!!!
Enquanto a mulher quiser ser vista como a melhor mãe e esposa do mundo, vai realmente cair na própria armadilha.
Querer ser super competente, bonita, feminina, super mãe e super esposa, repito, super esposa? Isso não é machismo?
Anônima

Anônimo disse...

Agora que vi os erros de português. Foi mal! Estou com pressa...
Para começar. Os problemas ESTÃO presentes... rsrs

Anônimo disse...

Oi anônimos e anônimas,

Eu gosto mesmo é de saber quem escreve pra dar um rosto às linhas.

Acho que vocês não entenderam necessariamente o que eu na verdade tinha como motivação detrás das minhas palavras. Também nao sei se dá nem se quero explicar tudo.

Primeiro: não creio que a mulher tem que lutar pra ser perfeita em tudo. Eu quis expor as dificuldades que ainda nos deparamos em pleno século XXI pelo simples fato de sermos mulher e que não posso evitar o fato que nasci numa familia que a mulher não é dona de casa e mãe apenas. E assim sou eu. Não acho errado se algumas de nos querem se dedicar exclusivamente a maridos, filhos, casa nem às que querem se dedicar 100% ao trabalho, carreira. Para quem quer combinar esses dois polos, que eu vejo como possível e tenho exemplos como o da minha mãe, ocorrem as dificuldades de mentalidades retrógradas, dinossauras da nossa sociedade - homens e mulheres.

Para a última questão: quando eu ou você se posiciona desta maneira, as pessoas, que amam rolutar por natureza, já dissem que somos feministas. Acho o rotular uma dos truques mais baratos, pois é fácil. Não é justificar nem me desculpar pelo feminista no último parágrafo. É um: "por favor, não venham com o seu carimbo: feminista".

O próximo texto eu escrevo sobre um tema bem leve: qual é o penteado mais legal para aquela atriz de Hollywood? Ironias à parte, obrigada pelos questionamentos.

Cecilia Zugaib

Thais Aguiar disse...

Tô super feliz que tenhamos produzido textos que levem diversos temas à reflexão. É assim, discutindo, lendo divergentes opiniões, que conseguimos aprender a ver os diversos lados e as diferentes percepções sobre um mesmo tema. Que bom ter a possibilidade de parar para pensar nisso também, são tantas coisas que fazem a nossa rotina não ter espaço para a ideologia de fazer e pensar um mundo melhor! Essas discussões fazem valer a pena iniciativas de fazer um blog.

Anônimo disse...

Cecilia,
Parabens pelo texto! Voce expressou muito bem o dilema de muitas mulheres. Eu tambem tive uma historia parecida com a sua e senti na pele o "machismo" embrenhado no sistema suico. Agora estou escrevendo minha estoria/historia em outras terras. Moro agora em Edinburgh. Claro que o machismo de certa forma ainda existe por aqui e a questao da igualdade no trabalho ainda da' discussao, mas a situacao e' bem melhor que na Suica.
Parabens tambem pelo blog! Uma otima ideia. Por favor, continuem escrevendo textos dessa qualidade e intensidade. Precisamos de espaco pra isso!
Obrigada!
Beijos, Marcia.