Habitué que se preza não vai a Punta del Este, vai a Punta. Não visita amigos numa ilha em Angra dos Reis, mas em Angra. Dá uma relaxada no spa do Costão, jamais no Costão do Santinho. A intimidade dos famosos com refúgios badalados parece exigir tratamento no diminutivo - nomes por extenso são coisas de turismo de massa. Assim, quando a beldade venezuelana Dayana Mendoza, atual Miss Universo, desembarcou na baía de Guantánamo, em Cuba, logo tratou de chamar aquele enclave ensolarado do Caribe pela sua abreviatura pronunciável, Gitmo. O termo é uma corruptela da sigla militar (gtmo) que designa a base naval dos Estados Unidos fincada nas barbas da ilha comunista de Fidel Castro.
Dayana e Gitmo: parece terem sido feitos um para o outro. Pelo menos é o que se deduz dos posts com que a coroada de 22 anos brindou os leitores de seu blog:
Guantánamo, Cuba!!! Uáaau, minha profissão é fantástica!!!! Foi uma experiência incrível. Crystle [Crystle Stewart, a Miss Estados Unidos 2008] e eu chegamos na sexta-feira e logo fomos dar uma volta. Todos ali pareciam saber da nossa chegada. Como primeira atividade participamos de um almoço de boas-vindas. Em seguida, visitamos um dos bares da base militar. Batemos ótimos papos sobre a experiência de viver em Gitmo. [...]
Também tivemos direito a uma demonstração das incríveis habilidades dos cães militares. Todo o pessoal foi simplesmente bárbaro conosco. Visitamos os campos dos prisioneiros, vimos as celas, os locais dos banhos, os espaços de recreação, com salas de cinema, aulas de arte, livros. Tudo muito interessante. Os fuzileiros navais nos deram uma aula sobre a história do lugar, e pudemos ir até a linha divisória entre Gitmo e Cuba.
E a água de Guantánamo! Tããão incrível. Fomos até a Playa Cristal, onde aprendi que o nome vem de minúsculos cristais acumulados na areia ao longo de séculos. É lindo ver todas aquelas cores brilhando ao sol.
Por mim, eu não partiria jamais de Gitmo. Tudo tão relaxante, tão calmo, tão lindo! Que viagem memorável, deliciosa!
É uma lástima, senão uma brutalidade, que os responsáveis pela Organização Miss Universo tenham retirado do ar o diário de viagem encerrado em 27 de março passado. No seu lugar foi inserido um comunicado um tanto seco da presidente da entidade que, em 2009, organizará a 53ª edição do concurso: "Os comentários feitos por Dayana Mendoza em seu blog referiam-se à hospitalidade com que foi recebida pelos membros das Forças Armadas dos Estados Unidos e suas famílias aquarteladas em Guantánamo", informou Paula Shugart.
Isto é, Dayana não se referia ao campo de detenção ali instalado desde 2002, e que se tornou o foco irradiador da política de tortura autorizada pelo governo George W. Bush em sua guerra contra o terror. Nada que evocasse o devastador relatório de 41 páginas da Cruz Vermelha Internacional, tornado público no início de abril, e que aponta os abusos pelos quais Guantánamo passou a se notabilizar. A Miss Universo tampouco cruzou com os 240 prisioneiros que permanecem encarcerados em Gitmo. Não teve a oportunidade, portanto, de ser apresentada a dois dos estrategistas do 11 de Setembro, o saudita Abu Zubaydah, submetido a 83 sessões de simulação de afogamento, nem ao kuwaitiano Khalid Sheikh Mohammed, torturado 183 vezes só em março de 2003, segundo o mesmo relatório.
O convite para passar cinco dias de março em Guantánamo chegou a Dayana através da United Service Organization, uso, entidade criada durante a Segunda Guerra Mundial para prover apoio recreativo e moral às Forças Armadas americanas espalhadas mundo afora. Hoje, a missão de entretenimento à soldadesca faz parte da agenda politicamente correta de toda Miss Universo. No passado, foi Hollywood que aderiu em peso ao chamado cívico para cruzar meio mundo e injetar calor humano às tropas em guerra. Uma lista completa das mais de 208 mil (sim, 208 mil) visitas organizadas entre 1941 e 1945 inclui os nomes mais estelares do showbiz americano. De Marlene Dietrich a Bob Hope, de Judy Garland e Lauren Bacall a Fred Astaire, de Humphrey Bogart, Glenn Miller e Frank Sinatra - ninguém ousaria faltar. Na Guerra da Coréia dos anos 50 foi a vez de Marilyn Monroe, Debbie Reynolds, Errol Flynn, Jane Russell e Bob Hope (sempre ele) vestirem o uniforme. Mesmo durante um conflito que rachou a nação americana nos anos 60 e 70, como a Guerra do Vietnã, a uso conseguiu organizar mais de 5 mil apresentações de artistas. Pelas terras do sudeste asiático deram o ar de sua graça Sammy Davis Jr., Ann-Margret, John Wayne e, como não, Bob Hope.
Para a atual embrulhada militar erguida sobre os escombros do atentado às Torres Gêmeas, o escrete tem sido mais esquálido. Lance Armstrong, o herói das pedaladas, foi despachado para o Catar, Afeganistão e Quirguistão. No Kuwait, coube a Scarlett Johansson iluminar, com sua tez de pêssego e boca carnuda, os rostos da soldadesca aquartelada no deserto.
Mas é a passagem-relâmpago da venezuelana Dayana Mendoza por Guantánamo que consolidou a despedida daquela base como centro de detenção e de tortura. Barack Obama, ao assumir a Presidência em janeiro deste ano, decretou que em doze meses não haveria mais detentos na base militar. Os cinco dias de Dayana bastaram para revelar a vocação do local para "ilha da fantasia".
Infelizmente, por ter tido o seu blog cruelmente abortado, a Miss Universo não pôde se estender sobre tudo o que a cativou em Gitmo. Mas poderá transformar suas observações em livro, futuramente. Talvez assim:
A interação com os animais é realmente um dos pontos fortes dos resorts da cadeia Bush, Cheney & Rumsfeld. Quando a gente menos espera, surge um cachorro não se sabe de onde. Ouvi dizer que num dos spas mais exóticos, o de Abu Ghraib, eles chegam a brincar de corre-corre com hóspedes vip. Para tornar tudo ainda mais divertido, vez por outra os animadores põem vendas em alguns deles - quer dizer, nos hóspedes, não nos cachorros... - e aí é um susto só!
Agora, se você é desses que gostam de tirar foto de celebridades, esse lugar não é para você. Fiquei impactada com o grau de privacidade que esse resort oferece aos famosos. Durante meus cinco dias de relaxamento em Gitmo, as celebridades mega-ultra-vips recarregavam suas baterias num espaço completamente isolado. No máximo, a gente ouvia um ou outro grito do personal deles. Um luxo.
Boa parte dos hóspedes de Gitmo foi trazida de muito longe, em jatos fretados, cortesia da casa. A frequência, aliás, é das mais cosmopolitas que já encontrei - conheci gente de pelo menos 26 países! Sério: em que outro lugar você vai conhecer um rapaz do Iêmen, do Afeganistão e - olha só! - até do Djibuti?!! Sim, tem um país chamado Djibuti!
Para driblar a tensão das nossas agendas, ainda na semana passada, tive de prestigiar a abertura do pregão da Nasdaq, compareci à corrida de Fórmula 1 na Malásia, aprendi o que é Twitter e participei de dois desfiles em Miami - o serviço em Gitmo é all-inclusive, ou seja, já está tudo pago. Das refeições light (o lugar é divino para emagrecer) aos roupões chiquésimos, laranja-vivace, da grife Frette, nada falta. Agora que conheci, pretendo voltar sempre. Ouvi dizer que eles têm um curso bárbaro de apnéia! Tábua-de-água, ou algo assim! Quero fazer, pra pode mergulhar no Djibuti!
Dayana e Gitmo: parece terem sido feitos um para o outro. Pelo menos é o que se deduz dos posts com que a coroada de 22 anos brindou os leitores de seu blog:
Guantánamo, Cuba!!! Uáaau, minha profissão é fantástica!!!! Foi uma experiência incrível. Crystle [Crystle Stewart, a Miss Estados Unidos 2008] e eu chegamos na sexta-feira e logo fomos dar uma volta. Todos ali pareciam saber da nossa chegada. Como primeira atividade participamos de um almoço de boas-vindas. Em seguida, visitamos um dos bares da base militar. Batemos ótimos papos sobre a experiência de viver em Gitmo. [...]
Também tivemos direito a uma demonstração das incríveis habilidades dos cães militares. Todo o pessoal foi simplesmente bárbaro conosco. Visitamos os campos dos prisioneiros, vimos as celas, os locais dos banhos, os espaços de recreação, com salas de cinema, aulas de arte, livros. Tudo muito interessante. Os fuzileiros navais nos deram uma aula sobre a história do lugar, e pudemos ir até a linha divisória entre Gitmo e Cuba.
E a água de Guantánamo! Tããão incrível. Fomos até a Playa Cristal, onde aprendi que o nome vem de minúsculos cristais acumulados na areia ao longo de séculos. É lindo ver todas aquelas cores brilhando ao sol.
Por mim, eu não partiria jamais de Gitmo. Tudo tão relaxante, tão calmo, tão lindo! Que viagem memorável, deliciosa!
É uma lástima, senão uma brutalidade, que os responsáveis pela Organização Miss Universo tenham retirado do ar o diário de viagem encerrado em 27 de março passado. No seu lugar foi inserido um comunicado um tanto seco da presidente da entidade que, em 2009, organizará a 53ª edição do concurso: "Os comentários feitos por Dayana Mendoza em seu blog referiam-se à hospitalidade com que foi recebida pelos membros das Forças Armadas dos Estados Unidos e suas famílias aquarteladas em Guantánamo", informou Paula Shugart.
Isto é, Dayana não se referia ao campo de detenção ali instalado desde 2002, e que se tornou o foco irradiador da política de tortura autorizada pelo governo George W. Bush em sua guerra contra o terror. Nada que evocasse o devastador relatório de 41 páginas da Cruz Vermelha Internacional, tornado público no início de abril, e que aponta os abusos pelos quais Guantánamo passou a se notabilizar. A Miss Universo tampouco cruzou com os 240 prisioneiros que permanecem encarcerados em Gitmo. Não teve a oportunidade, portanto, de ser apresentada a dois dos estrategistas do 11 de Setembro, o saudita Abu Zubaydah, submetido a 83 sessões de simulação de afogamento, nem ao kuwaitiano Khalid Sheikh Mohammed, torturado 183 vezes só em março de 2003, segundo o mesmo relatório.
O convite para passar cinco dias de março em Guantánamo chegou a Dayana através da United Service Organization, uso, entidade criada durante a Segunda Guerra Mundial para prover apoio recreativo e moral às Forças Armadas americanas espalhadas mundo afora. Hoje, a missão de entretenimento à soldadesca faz parte da agenda politicamente correta de toda Miss Universo. No passado, foi Hollywood que aderiu em peso ao chamado cívico para cruzar meio mundo e injetar calor humano às tropas em guerra. Uma lista completa das mais de 208 mil (sim, 208 mil) visitas organizadas entre 1941 e 1945 inclui os nomes mais estelares do showbiz americano. De Marlene Dietrich a Bob Hope, de Judy Garland e Lauren Bacall a Fred Astaire, de Humphrey Bogart, Glenn Miller e Frank Sinatra - ninguém ousaria faltar. Na Guerra da Coréia dos anos 50 foi a vez de Marilyn Monroe, Debbie Reynolds, Errol Flynn, Jane Russell e Bob Hope (sempre ele) vestirem o uniforme. Mesmo durante um conflito que rachou a nação americana nos anos 60 e 70, como a Guerra do Vietnã, a uso conseguiu organizar mais de 5 mil apresentações de artistas. Pelas terras do sudeste asiático deram o ar de sua graça Sammy Davis Jr., Ann-Margret, John Wayne e, como não, Bob Hope.
Para a atual embrulhada militar erguida sobre os escombros do atentado às Torres Gêmeas, o escrete tem sido mais esquálido. Lance Armstrong, o herói das pedaladas, foi despachado para o Catar, Afeganistão e Quirguistão. No Kuwait, coube a Scarlett Johansson iluminar, com sua tez de pêssego e boca carnuda, os rostos da soldadesca aquartelada no deserto.
Mas é a passagem-relâmpago da venezuelana Dayana Mendoza por Guantánamo que consolidou a despedida daquela base como centro de detenção e de tortura. Barack Obama, ao assumir a Presidência em janeiro deste ano, decretou que em doze meses não haveria mais detentos na base militar. Os cinco dias de Dayana bastaram para revelar a vocação do local para "ilha da fantasia".
Infelizmente, por ter tido o seu blog cruelmente abortado, a Miss Universo não pôde se estender sobre tudo o que a cativou em Gitmo. Mas poderá transformar suas observações em livro, futuramente. Talvez assim:
A interação com os animais é realmente um dos pontos fortes dos resorts da cadeia Bush, Cheney & Rumsfeld. Quando a gente menos espera, surge um cachorro não se sabe de onde. Ouvi dizer que num dos spas mais exóticos, o de Abu Ghraib, eles chegam a brincar de corre-corre com hóspedes vip. Para tornar tudo ainda mais divertido, vez por outra os animadores põem vendas em alguns deles - quer dizer, nos hóspedes, não nos cachorros... - e aí é um susto só!
Agora, se você é desses que gostam de tirar foto de celebridades, esse lugar não é para você. Fiquei impactada com o grau de privacidade que esse resort oferece aos famosos. Durante meus cinco dias de relaxamento em Gitmo, as celebridades mega-ultra-vips recarregavam suas baterias num espaço completamente isolado. No máximo, a gente ouvia um ou outro grito do personal deles. Um luxo.
Boa parte dos hóspedes de Gitmo foi trazida de muito longe, em jatos fretados, cortesia da casa. A frequência, aliás, é das mais cosmopolitas que já encontrei - conheci gente de pelo menos 26 países! Sério: em que outro lugar você vai conhecer um rapaz do Iêmen, do Afeganistão e - olha só! - até do Djibuti?!! Sim, tem um país chamado Djibuti!
Para driblar a tensão das nossas agendas, ainda na semana passada, tive de prestigiar a abertura do pregão da Nasdaq, compareci à corrida de Fórmula 1 na Malásia, aprendi o que é Twitter e participei de dois desfiles em Miami - o serviço em Gitmo é all-inclusive, ou seja, já está tudo pago. Das refeições light (o lugar é divino para emagrecer) aos roupões chiquésimos, laranja-vivace, da grife Frette, nada falta. Agora que conheci, pretendo voltar sempre. Ouvi dizer que eles têm um curso bárbaro de apnéia! Tábua-de-água, ou algo assim! Quero fazer, pra pode mergulhar no Djibuti!
Dorrit Harazim para Revista Piauí - maio 2009
Um comentário:
Olá Thais!!
Faz algum tempo que você deixou um comentário em meu blog (www.jhonny.com.br/blog)a respeito do player de música que não reproduzia algumas faixas de áudio. Bom, eu já tive esse problema e tive que excluir essas faixas e refazer upload.
Qualquer coisa deixa um comentário....voltei a ativa no blog, rs.
Abraços!
Jhonny Palito
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