A Revista Íntegra, após cinco anos de publicações, chega ao fim.
Convidamos você a conferir esta última edição. Saiba mais...

quinta-feira, 4 de junho de 2009

“As pessoas não precisam estar mais bem-vestidas. Precisam ser melhores”

Estranho ouvir isso de um estilista? Pois a moda, para Jum Nakao, nada mais é do que uma “ferramenta de descoberta”. Ele não aposta em tendências e padrões, mas em um novo formato de mercado: “A gente precisa reconectar as pessoas à essência humana”. Desde que deixou a passarela mais importante do País, em 2004, decidiu dedicar a carreira ao resgate de valores. Ministra cursos no sertão, desenvolve objetos sustentáveis com comunidades na Amazônia. O que mais dói, conta, é perceber todo o potencial de recursos e saberes do País que fica “confinado ao silêncio”.

Leia a seguir trechos da entrevista de Jum Nakao, realizada e publicada pela revista Almanaque Brasil de Cultura Popular - edição de maio/09.

Você deixou de acreditar na concepção dos grandes desfiles?
Eu continuo acreditando na importância da moda, mas tenho que pensar em novos processos. Estou sempre com alunos, em oficinas e palestras, porque preciso formar pessoas. Não para o mercado. Preciso formar pessoas capazes de criar novos formatos de mercado. Se os processos não mudam, os hábitos continuam os mesmos.

Diante da crise mundial, a moda deve se transformar?
Acho até curioso que uma crise como a que a gente vive esteja acontecendo, fazendo as pessoas pensarem nos seus conceitos, na sua cultura de consumo. Do que a gente precisa? Acho que esse primeiro quarto de século vai ser todo dominado por uma discussão sobre sustentabilidade, sobre novas éticas. Chegou um ponto em que é necessário reformular valores. Não há como imaginar que do jeito que está podemos continuar.
<É preciso repensar os parâmetros de consumo?>
O que mostra como uma comunidade vive é o consumo. Eu acho um absurdo que para a sociedade continuar existindo as pessoas tenham que consumir carros, por exemplo. Para suprir a necessidade atual do planeta inteiro, dentro dos hábitos atuais de consumo, precisamos de dois planetas. Se isso não mudar, é impossível falar em futuro. Uma outra questão é a própria hierarquia de valores. O valor do material é muito maior do que o valor do conhecimento. O de uma celebridade, muito maior que o de um pensador. A sociedade perdeu seus parâmetros. E não adianta as pessoas só falarem em “ecologicamente correto”, em “consciência de sustentabilidade”. Elas precisam comprar a ideia. Consumir não é ruim, é um ato político. Se você vai comprar um produto, tem que avaliar se ele está sendo produzido num sistema com o qual você concorda ou não. Desde que entrei no projeto Floresta Móbile, o que mais acho importante é que os produtos vendam. Senão a comunidade que acreditou no projeto como alternativa de sobrevivência vai voltar a queimar.

Como funciona o Floresta Móbile?

É um projeto grande, desenvolvido no mundo todo. Eu trabalho com uma comunidade carvoeira na Amazônia. Produzimos móveis com resíduos de madeiras que seriam queimados. Na contramão da antiga Revolução Industrial, partimos para a “revolução humana”. Resgatamos o valor de como é feito, não do que é feito. Se um saber está sendo aplicado, a natureza ganha fôlego para o reflorestamento. Queimando, se acaba com algo como um Estado de São Paulo por dia. Colaborar, dar vida, animar – no sentido de dar alma a coisas inertes – exigem um tempo diferente do da destruição. Jogar uma bomba é rápido, reconstruir demora. A proposta é que essas comunidades se dediquem a construir, não a destruir. Se esses projetos não derem certo, elas vão voltar a destruir. Por isso é muito importante que a sociedade compre a ideia, e não somente no plano filosófico.

Você tem andado muito pelo Brasil. O que tem visto?
O País é muito rico de recursos e saberes. Se você for para qualquer lugar do País, vai encontrar um Brasil diferente. Mas você sabe que é a sua casa. E as pessoas te reconhecerão como brasileiro também. Isso você não vai sentir em nenhum outro lugar do mundo. Essa questão da hospitalidade – ainda que não seja restrita aos brasileiros – mostra como entre nós existe, sim, uma comunhão. Entretanto, há uma cultura muito viva, mas que está sendo sufocada. Não precisa ir longe. No interior de seu Estado você pode descobrir coisas de que nunca ouviu falar. A verdade é que a gente só olha para o que está sendo vendido. Há um potencial muito grande de saberes que fica confinado ao silêncio. Se não há demanda por estes saberes, as pessoas que os detêm simplesmente partem para outras atividades que possam garantir o sustento. Se a sociedade só quer carvão, estas pessoas vão fazer queimadas. Ou vão morrer de fome.

Leia na Integra a entrevista no Almanaque Brasil de Cultura Popular

Nenhum comentário: